29 de setembro de 2011
A Copa do Mundo de 2014 trouxe grandes promessas ao povo brasileiro que em grande parte não serão mais que ilusões. Muitos não percebem porque estão embriagados pelo marketing patriótico. O sentimento que o povo brasileiro nutre pelo futebol esconde negócios bilionários e lucros distribuídos de forma desigual. Igualmente, ao povo, serão distribuídos somente o direito de consumir a Copa-TV, a Copa-publicidade e a Copa-bugiganga.
Sim. Muitos empregos serão gerados pela a movimentação financeira que virá com a COPA do Mundo. Mas, qual é o percentual sustentável de empregos? Em que medida esses empregos acelerarão nosso processo civilizatório?
Outra pergunta intrigante é por que nunca houve semelhante “esforço de guerra” para oferecer saneamento básico universal à população brasileira? Pesquisa mostra que 2/3 do esgoto no Brasil não é tratado. Se os R$ 5 bilhões gastos com estádios fossem investidos no ensino infantil e fundamental também gerariam empregos, qualificação, civilidade e efetivariam direitos. Infelizmente nossos indicadores sociais não colocam o Brasil numa posição de desenvolvimento neste início do século XXI.
Muita riqueza será criada, é verdade. Mas até que ponto essa riqueza será justamente distribuída? A FIFA é uma entidade privada que visa lucros – a despeito do culto quase religioso – que o futebol possuiu. A FIFA lucrou US$ 631 milhões (de dólares) entre 2007 e 2010 segundo ela mesma anunciou (conforme reportagem da Folha de São Paulo de 04/03/2011). De acordo com a mesma fonte, a FIFA diz ter uma reserva de US$ 1,280 bilhão (R$ 2,1 bilhões). Se fosse uma pessoa física a FIFA estaria entre as pessoas mais ricas do mundo (no caso da Confederação Brasileira de Futebol- CBF, essa afirmação estaria distante da realidade?)
Por mencionar a entidade brasileira, a CBF teve lucro de R$ 72 milhões em 2009 (reais) publicados no jornal Monitor Mercantil. Então, não vamos deixar que usem nosso sentimento de brasilidade. Se não temos o poder de impedir que o poder público financie obras privadas, a despeito das promessas que fizeram, a sociedade tem o direito de saber com detalhes quais são as fontes de financiamento destas grandes obras. Não há uma prestação de contas que identifique os impostos direcionados para financiar as obras da Copa e o prejuízo que o Tesouro Nacional terá com a capitalização do BNDES. Lembremos que os mais pobres comprometem cerca da metade da sua renda com impostos. Já a FIFA, a CBF e outras confederações tiveram isenções tributárias amplas, gerais e irrestritas (Lei n.º 12.350, de 20 de dezembro de 2010).
Pessoas afetadas pelas obras
O Congresso Nacional e a sociedade brasileira não podem deixar de ouvir com atenção as denúncias de remoção de famílias para construção das obras e péssimas condições de trabalho nas obras da Copa. Cabe a pergunta se as greves daqueles que trabalham na construção dos estádios não seriam sintomas da imposição das piores formas de relações de trabalho, do desrespeito à dignidade humana e do lucro desproporcional.
Fica o temor de que pressionados pela escassez dos prazos e pelo apelo midiático, a sociedade feche seus os olhos para possíveis abusos que podem lembrar condições análogas a escravidão em pleno século XXI. A Câmara dos Deputados não deveria convocar uma Comissão Geral para ouvir os afetados e também as lideranças dos trabalhadores envolvidos nas obras da Copa de diferentes regiões do país? Esse país não deve acobertar outro exemplo de obtenção de riqueza por meio do desrespeito da dignidade humana – a história desse país já viu um modo de produção econômica escravizar milhões de índios e pessoas trazidas da África. Até hoje, seus descendentes não tiveram uma reparação. Portanto, é a exploração do passado e omissão do presente que explica nossa condição de 3° país mais desigual do mundo. É por isso que o Brasil não mais deve aceitar a violação da dignidade humana em nome do mero crescimento econômico.
A fiscalização das obras
Se os organizadores da COPA gostam de invocar o patriotismo dos brasileiros, é legítimo lembrar outras referências culturais. Como dizia o poeta Cazuza “Brasil, mostra a sua cara!”. Também podemos reformular essa frase para: “Copa FIFA, mostra sua cara!”
A transparência dos dados é importante porque as previsões de gastos só aumentam. Não há dúvidas de que essa subida acelerada dos custos guarda relação com a flexibilização daslicitações para obras da Copa. Segundo a ótima comparação realizada pelo consultor do Senado Alexandre Sidnei Guimarães, intitulada “O aumento oficial dos custos das obras da Copa do Mundo FIFA 2014”, houve uma elevação de R$ 6,83 bilhões (em termos percentuais, 28,7%) num período de oito meses. A comparação entre o “1º Balanço das Obras da Copa do Mundo FIFA 2014” e o 2º balanço mostra que o custo das obras em janeiro de 2011 era aproximadamente de R$ 23,83 bilhões. Em setembro, elevou-se para R$ 30,66 bilhões. Seguem as tabelas retiradas do trabalho do consultor do Senado.
Os estádios da Copa tiveram uma variação de custo de R$ 1,02 bilhões. O custo estava previsto em R$ 4,9 bilhões em janeiro contra R$ 6,04 bilhões em setembro. Os resultados refletem o atraso, a falta de transparência e o Regime Diferenciado de Contratação (a flexibilização da Lei de Licitações).
A diferença entre os custos das obras da COPA em Belo Horizonte foi de R$ 3,34 bilhões. Saltou de R$ 2,55 bilhões para R$ 5,9 bilhões. Uma variação de 130%!
Em consulta ao site do Tribunal de Contas da União (TCU) realizada no sai 27/09, foi possível verificar que site possuiu alguns gráficos defasados e que vários relatórios são antigos, o que deve refletir o atraso das obras (http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/copa2014/fiscaliza_tcu).
O site da Controladoria Geral da União (CGU) – http://www.portaldatransparencia.gov.br/copa2014/ – também mostra o ritmo das obras. É possível visualizar o que está sendo priorizado e o que vai se tornar só ornamentação dos projetos – isto é, obras que nunca sairão do papel.
Percebe-se que são aquelas obras que beneficiam um número muito maior da população que estão mais atrasadas ou não saíram do papel. Sejamos sinceros: a população pobre não assistirá aos futuros shows de artistas internacionais que ocorrerão nos elefantes brancos que estão sendo erguidos. Por outro lado, até os pobres estão pagando dos seus bolsos pela construção dos estádios e, muitos casos, pagarão pela suas manutenções.
Seguem tabelas anexas com uma seleção de obras disponibilizadas no site da Controladoria Geral da União- CGU. Se houver, paciência para uma analise detalhada dos dados, será possível perceber que as obras mais atrasadas são justamente aquelas com benefícios a longo prazo para a população. Ou será que só foram colocadas propositalmente no planejamento inicial para justificar a relevância do evento da FIFA?