Ravena Carmo já cumpriu medida socioeducativa no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) e hoje retorna às unidades de internação como educadora do Projeto Vozes da Cidadania.
>>> Leia aqui a história de vida da Ravena
Para ela, são muitas as críticas feitas à socioeducação e poucas as soluções levantadas. “É nosso papel reavaliar as atuais práticas pedagógicas. Elas devem ser instrumento de reflexões em busca das transformações. A socioeducação precisa romper com a reprodução de fracasso. Para tal, é necessário que se instale políticas públicas realmente efetivas, durante e após a medida que, na minha opinião, é o mais importante – acompanhar os adolescentes assim que eles retornam para suas casas e para sociedade.”
Leia a íntegra do discurso e da poesia de Ravena durante a Audiência Pública Para Além das Algemas, proposta pelo Inesc e realizada pela Câmara legislativa do Distrito Federal (CLDF), em setembro.
Discurso de Ravena Carmo na Audiência Pública sobre o Sistema Socioeducativo:
Gostaria de saudar a todos presentes e agradecer esse espaço de fala nesse debate que é tão invisibilizado.
Em primeiro lugar, gostaria de iniciar com esta fala: EU ACREDITO NA SOCIOEDUCAÇÃO, eu sou fruto da socioeducação, eu vivi a socioeducação. Felizmente, encontrei pessoas no meu caminho que também acreditam. Não poderia deixar de agradecer as direções e equipes das Unidades de Internação de São Sebastião, Recanto das Emas, Saída Sistemática e de Santa Maria.
Tive o prazer de trabalhar neste ano como educadora do Projeto Vozes da Cidadania e pude perceber o quanto são dedicados e solícitos para com suas Unidades. Obrigada pelo belo trabalho em conjunto.
Não queremos uma educação mecanicista e excludente. Buscamos inspiração em Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Devemos mergulhar em uma educação emancipadora e que vá, de fato, transformar a vida desses jovens, e as nossas, para além das algemas.
Que todos nós que tecemos esse sistema possamos juntos e juntas construir um Projeto Político Pedagógico que dialogue com a realidade das Unidades do DF, que seja contextualizado com a realidade de cada uma, com suas especificações e seus públicos.
Mais uma vez, repito: eu acredito na socioeducação e, por mais difícil que seja, não sejamos juízes! Sejamos educadores, essa é nossa missão!
São muitas as críticas feitas à socioeducação e poucas as soluções levantadas. Devemos cada vez mais intensificar esse debate. No entanto, não basta apenas que nós façamos essa reflexão, é necessário o envolvimento de toda a sociedade. Atualmente, nas Unidades, os sonhos profissionais dos socioeducandos são muitos! Mas quais são as possibilidades de concretização???
Uma vez que não se tem profissionalização, preparação para saída no mundo lá fora, digo a vocês, as oficinas que fiz durante minha internação geraram renda para mim no primeiro ano pós medida, mas e agora? Com essa situação atual, estamos preparando nossos adolescentes para o quê? Deixo a reflexão para que cada um possa se responder.
É nosso papel reavaliar as atuais práticas pedagógicas. Elas devem ser instrumento de reflexões em busca das transformações. A socioeducação precisa romper com a reprodução de fracasso. Para tal, é necessário que se instale políticas públicas realmente efetivas, durante e pós a medida que, na minha opinião, é o mais importante – acompanhar os adolescentes assim que eles retornam para suas casas e para sociedade.
A socioeducação não pode deixar de cumprir seu papel vital: reintegração, ressocialização, reflexão, jovens fora da criminalidade.
Cientes estamos de que os homens são formados pelas circunstâncias sociais, econômicas e históricas, trataremos de tornar tais circunstâncias as mais humanas possíveis, observadas as nossas limitações pessoais e profissionais. Saudações àqueles que se comprometem com a justiça social, com a ampliação da cidadania, contra todas as formas de violência e exclusão.
Estamos aqui porque encaramos um desafio que por idealismo escolhemos e por audácia desejamos enfrentar!
Experimentamos hoje o jogo da realidade, o passo que define uma trajetória histórica, um momento ímpar. Esse trajeto foi desenhado, acreditamos nós, no princípio da coragem, do eterno movimento de se reinventar enquanto sujeito social, ao mesmo tempo inserido numa engrenagem complexa e facilmente absorvido por uma formação intelectual e cultural crítica, e essa formação é a que desejamos para todo o socioeducativo.
Esses meses de experiência tão intensa me permitiram levantar alguns pontos que eu já sabia como egressa e agora tenho certeza como educadora. Tive a oportunidade de estar próxima ao módulo feminino e notei, por exemplo, que é necessário acompanhamento ginecológico com as meninas, horários de visitas no período da tarde para quem tem filhos e irmãos pequenos, acompanhamento psicológico para quem já sofreu violência sexual, parada e transporte de ônibus próximos às Unidades, profissionalização com variedade de cursos e que de fato prepararem os adolescentes para o mercado de trabalho e acompanhamento com os egressos.
Dentre tantos outros que poderia citar, julgo aqui esses como os mais importantes, o primeiro passo a ser dado.
Agradeço a oportunidade de estar aqui não só como egressa, mas de estar aqui contribuindo como pesquisadora e educadora, como quem acredita na socioeducação!
Finalizo com poesia:
Como falar em socioeducação
Sem educação
Falta humanização
Situação precária
Mas não pode falar
Que é carcerária
Profissionalização?
Aqui não
Saidão
Evasão
Solidão
Ouvi o mano dizer que não…
Queria morrer na porta da Unidade de Internação
Recanto, Santa Maria, Planaltina, São Sebastião
Não tem linha de ônibus
Não tem busão
Mães sofridas, mas aguerridas
Pontualmente no domingo
Com a cobal na mão
Cinza, tudo cinza
Grade, parede, saudade
O concreto é realidade
Enxuga as lágrimas que são
As únicas que aqui tem liberdade
Pra escorrer
E não morrer
Pra não padecer
Pra não perecer
Jovens e adolescentes
Como vontade de viver
Sem ter pra onde correr
Professora
Se eu não matar
Vou morrer
Violência que não se encerra
No sócio educativo (?)
Enquanto esse ciclo não se finda
Continuamos a ver nos jornais policialescos e mídias
Que adolescentes perderam suas vidas!
Vamos falar sobre Crianças, Adolescentes e Jovens?
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