A Rodada de Doha da OMC voltou a tropeçar devido à imposição da pauta pelos países desenvolvidos. Os países emergentes, como a China e a Índia, colocaram o pé na porta e não rebaixaram suas ambições diante dos EUA e da União Européia. O Brasil ficou intermediando as propostas e sua liderança na OMC pode ter saído maculada. O que fazer? Voltar-se para a integração sul-americana e cuidar das feridas abertas no âmbito do MERCOSUL. Retomar o trabalho no bloco e aparar algumas arestas que podem ter ficado com a Argentina e Venezuela, que se colocaram frontalmente contra as posições dos países desenvolvidos, enquanto o Brasil buscava um consenso.
Os negociadores seguiram às palpadelas nestes oito dias de rodadas, como se estivessem em um quarto escuro. Receberam as ordens, mas não encontram eco. Suas propostas se chocavam com as dos outros negociadores. Assim, não conseguiam apoio para avançar, mas continuavam repetindo o mantra. Assim, a resistência de cada negociador se esgotou.
Acusado de ser um dos culpados pelo fracasso das negociações da Rodada de Doha, o ministro da Índia, Kamal Nath, afirmou: “Não estamos isolados. Se bloquear uma ronda é não aceitar uma proposta dos países ricos, então que seja assim”. Os países em desenvolvimento demonstraram que as regras do mercado internacional não serão mais elaboradas somente ao gosto dos países desenvolvidos. Com a emergência de novas forças que se projetaram no cenário internacional, a história da globalização não será mais a mesma.
Depois de muitas tentativas de articulação de posições dentro do G7, e entre o G7+Lamy+coordenadores de agricultura/NAMA+outros 30 países presentes ficou claro que as negociações da Rodada de Doha não tinham consenso suficiente para ser fechada. As propostas que buscavam contornar os problemas não foram suficientes para superar as diferenças em temas como produtos especiais, produtos sensíveis, salvaguardas, e quase todo o texto de NAMA (coeficientes, flexibilidades, anticoncentração e setoriais).
A rodada que começou, seu ultimo dia, com uma reunião áspera entre EUA versus Índia e China, terminou na terça-feira. EUA e União Européia não se entenderam com a Índia e China sobre as propostas de salvaguardas em agricultura (Algodão e Bananas) e setoriais em NAMA. Vários outros dissensos agitaram o dia: a Argentina avaliou que o documento de NAMA não servia nem para discussão. O Equador, de um lado, Guiana e Camarões de outro, discutiram sobre o comércio de bananas. O Senegal reclamou dos EUA sobre algodão. Bangladesh e Nepal discutiram com Lesoto e El Salvador sobre erosão de preferências. A Venezuela, Nicarágua, Cuba e Bolívia questionaram todo o processo.
À tarde, enquanto o G7 ameaçava romper as negociações, o diretor-geral Pascal Lamy realizou uma série de consultas temáticas que não chegaram a lugar algum. O ministro Celso Amorim, do Brasil, voltou a declarar que as conversas estavam por um fio. Os EUA e a Índia continuaram o bate-boca publico sobre salvaguardas.
Os informes internos do G7 apontavam uma cristalização de posições entre “orientais” (Índia, China e Japão) e “ocidentais” (UE, EUA, Austrália e Brasil) sobre três temas agrícolas: produtos especiais, salvaguardas e produtos sensíveis. A discussão passou de preços/volumes de comércio para a política. Enquanto a negociadora dos EUA, Susan Schwab, avaliava quantos votos de parlamentares perderia no Congresso a cada percentual de salvaguardas, o indiano Kamal Nath avaliava quantas dezenas de milhões de eleitores perderia nas eleições a cada percentual concedido.
As negociações desta rodada foram tão difícil que até a União Européia saiu rachada. A Alemanha, Reino Unido e Suécia de um lado, França, Itália, Portugal, Grécia, Hungria, Polônia e República Checa de outro, com a Holanda e a Espanha no meio. Fica evidente que, passados sete anos desde o início da Rodada de Doha, a conjuntura política e as disputas de poder tornaram a arena da OMC bem mais complexa. Começando com o reagrupamento do G20 em Cancun, com o NAMA-11 neste último ano, as rupturas internas de interesses dentro da EU e o fim do governo Bush produziram um jogo bem mais complexo, com muitos mais níveis e infinitas posições. Um olhar para trás, desde o fim da Rodada do Uruguai, onde os países ricos dominavam e se impunham sobre qualquer tema, o colapso desta mini-ministerial corrobora e atesta esta complexidade.
Resta-nos agora esperar para ver qual será o resultado deste retumbante fracasso nas conversações da última semana em Genebra. Qual será o próximo passo?