Quando a criança vira cifra

26/05/2009, às 16:50 | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Márcia Acioli, assessora do Inesc

Márcia Acioli

Há alguns domingos a mídia tem explorado imagens de imensa estupidez desferida contra uma menina, que, por ser criança tem medo como qualquer outra. Chora, se cansa, quer, precisa e tem o direito ao colo da mãe. Não se trata de uma menina qualquer, mas de uma pequena profissional da mídia. Para os adultos, é trabalho que certamente lhe confere prestígio e dinheiro. Os seus pais não estão livres da responsabilidade pela tensão que tem vivido nos últimos dias.

Trato aqui dos episódios em que Maisa, apresentadora mirim da SBT, debate com Sílvio Santos, chora no palco e busca, em vão, o colo e o conforto da mãe, que também pressionada, não pode lhe acolher a tempo. Para agravar a situação o apresentador convoca a platéia para ofender a criança com gritos chamando-a de medrosa. No primeiro dia, temendo um garoto mascarado (que também fica assustado com a situação) ela sai correndo apavorada do palco. No domingo seguinte, ela é debochada e mais uma vez derrama lágrimas diante o seu patrão que não a poupa e continua os abusos iniciados anteriormente. Após se sentir magoada sai correndo de novo, bate a sua cabeça numa câmara, chora bastante, diz que quer a mãe. A produção sutilmente a empurra de volta para o desamparo da exposição pública. Esperta, ela argumenta, mas continua desamparada em situação de extremo constrangimento.   

Se fosse com um adulto o caso seria certamente cruel, envolvendo criança é desumano.

Trabalho infantil é violência. Seja braçal, mecânico ou glamouroso o esforço laboral submete a infância a estresse, a situações de risco, ameaça sua saúde e rouba-lhe o tempo para brincar. Subtrai às crianças o precioso tempo para ficar à toa, para apreciar as formas das nuvens coloridas, tempo para sentir o ventinho no rosto ou para cochichar algum segredo mortal no ouvido de um amigo real ou imaginário. O trabalho de crianças é prejuízo certo e incalculável. Agride a condição de infância. A vida não é rebobinável e este período único e curto da vida escorre pelo ralo.

Não é o caso de bater na mesma tecla embolorada: “lugar de criança é na escola, temos que tirar meninos da rua”. Discurso vazio de sentido. Palavras velhas, gastas que não resolvem todas as situações. Há crianças que frequentam escola, não vivem nas ruas, e estão submetidas ao trabalho e ao estresse do trabalho.

Os fatos envolvendo Maisa nas últimas semanas evidencia o quanto os interesses pelos lucros certos que podem trazer uma menina engraçadinha anula a sua condição humana. A criança passa a ser uma singela máquina de produzir dinheiro, com o relevante aumento de audiência. O que acontece é que, o seu grau de profissionalismo faz com que, aparentemente, dispense os cuidados que qualquer criança exige. O patrão esquece que lida com uma menina pequena e espera dela, cada vez mais empenho, compromisso profissional sem qualquer cuidado com a sua condição de criança.

Com apenas 6 anos de idade ela precisa ser protegida e ter todos os seus direitos assegurados, inclusive ao lazer, ao respeito e à dignidade, que não são direitos secundários ou menores como querem nos fazer crer alguns discursos sisudos e insensíveis.  Não há direito menor.

Fantasiada de Shirley Temple, com cachinhos bem desenhados, vestidos à moda antiga, uma personagem é criada e no lugar de uma educação integral de qualidade a menina é submetida a uma agenda cansativa e desgastante com ensaios e gravações. 

Como a Shirley Temple, assim como a Judy Garland, atriz do Mágico de Oz, Maisa corre sérios riscos de ser escrava de um projeto de adultos ambiciosos, ávidas por ganhos, e ter seu desenvolvimento modelado pelo compromisso com um formato massacrante de sucesso.

Enquanto isso a infância, em estado terminal, definha e pede socorro.

 

Categoria: Artigo
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