Reforma do Sistema Político: devolver o poder ao povo
Jose Antonio Moroni
Colegiado de Gestão do INESC
Diretor da executiva nacional da ABONG
A reforma política é tema recorrente na vida política brasileira. Está presente na agenda há vários anos, mas sempre orientada pelos interesses eleitorais e partidários. É o chamado casuísmo eleitoral — geralmente, alterações de curto prazo e de curta duração. Como por exemplo, a reeleição. Por isso que a maioria da população tem a concepção de reforma política apenas como reforma do sistema eleitoral.
Está presente, também, nas discussões acadêmicas e na mídia. Na academia mais como um objeto a ser estudado/pesquisado e na mídia, quase sempre, como a solução de todos os males do país ou de forma pejorativa. Para ambos, um instrumento para melhorar a governabilidade do Estado (manter as elites no poder) ou, aumentar sua eficiência (como atender melhor aos interesses das elites).
No âmbito da sociedade civil organizada, das organizações e movimentos, que defendem o interesse público, aqui entendido como os interesses da maioria da população, e a radicalização da democracia, a reforma política está inserida em um contexto mais amplo que necessariamente diz respeito a mudanças no sistema político, na cultura política, tanto na sociedade como no Estado. Portanto na forma de se fazer e pensar a política.
Por isso os princípios democráticos que devem nortear uma verdadeira reforma política são: da igualdade, da diversidade, da justiça, da liberdade, da participação, da transparência e do controle social. Em resumo, entendemos como reforma política a reforma do próprio processo de decisão, portanto, a reforma do poder e da forma de exercê-lo. Quem exerce o poder, em nome de que se exerce o poder, quais os mecanismos de controle do poder. Em fim quem tem o poder de exercer o poder.
Uma verdadeira reforma política deve enfrentar problemas que estão na origem do nosso país, tais como, o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. A corrupção aqui entendida também como a usurpação do poder do povo. Isso se manifesta em frases que escutamos em todos os lugares, “votar para quê, se voto para mudar e as coisas não mudam” ou “votar para quê, se depois eles fazem o que querem”.
Na Carta de 88, os constituintes elegeram como os objetivos fundamentais da República Brasileira “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, etnia, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
Se todo o poder emana do povo, conforme define a nossa Constituição, pensar a reforma política é pensar como este poder deve ser devolvido ao povo que tem o direito de exercê-lo de forma direta e não apenas por delegação.
A incapacidade das instituições vigentes de concretizarem plenamente os objetivos da Constituição, o aumento do sentimento de distância entre os/as eleitores/as e seus/suas representantes coloca em risco a crença nos processos democráticos. Este é um risco que não podemos correr.
Democracia é muito mais que o direito de votar e ser votado. Não podemos apenas ser chamados a participar nos momentos eleitorais. Precisamos criar novos mecanismos de participação, que resgate o poder de decisão da população.
A Reforma Política que defendemos visa a radicalização da democracia, para enfrentar as desigualdades e a exclusão, promover a diversidade, fomentar a participação cidadã. Isto significa uma reforma que amplie as possibilidades e oportunidades de participação política, capaz de incluir e processar os projetos de transformação social que segmentos historicamente excluídos dos espaços de poder, como as mulheres, afrodescendentes, homossexuais, indígenas, jovens, pessoas com deficiência, idosos e todos os despossuídos de direitos trazem para o cenário político.
Não queremos a “inclusão” nesta ordem que aí está. Queremos mudar esta ordem. Por isto, pensamos o debate sobre a Reforma do Sistema Político como um elemento-chave na crítica às relações que estruturam este mesmo sistema. Entendemos que o patrimonialismo e o patriarcado a ele associado; o clientelismo e o nepotismo que sempre o acompanha; a relação entre o populismo e o personalismo, que eliminam os princípios éticos e democráticos da política; as oligarquias, escoltadas pela corrupção e sustentadas em múltiplas formas de exclusão (pelo racismo, pelo etnocentrismo, pelo machismo, pela homofobia e outras formas de discriminação) são elementos estruturantes do atual sistema político brasileiro que queremos transformar.
A construção de uma verdadeira reforma do sistema político precisa estar alicerçada em cinco eixos:
1 – Fortalecer a democracia direta;
2 – Fortalecer a democracia participativa;
3 – Aprimorar a democracia representativa: sistema eleitoral e partidos políticos
4 – Democratizar a informação e a comunicação e a
5- Democratização do Poder Judiciário
A reforma política deve dar nova regulamentação às formas de manifestação da soberania popular expressas na Constituição Federal (plebiscito, referendo e iniciativa popular), conforme projeto de lei, proposto pela OAB e CNBB, em tramitação no Congresso Nacional. Precisa também criar novas formas e mecanismos de participação direta. Mas para isso é fundamental o acesso as informações públicas, entre elas as orçamentárias. É uma vergonha que até hoje no Brasil o Executivo não disponibilize de forma clara e transparente essas informações.
Precisa também repensar a atual arquitetura da participação. A multiplicação de espaços participativos não significa automaticamente a partilha de poder. Isso ficou evidente no processo de consulta realizado em 2003 sobre o Plano Plurianual – PPA, onde nenhum dos acordos feitos em relação a continuidade do processo foram cumpridos, tanto pelo Executivo como no Parlamento. Precisamos caminhar na direção da construção de um sistema integrado de participação que inclua a política econômica e não apenas as políticas sociais.
Precisamos aprimorar e fortalecer a democracia representativa. Priorizando a democratização dos partidos e a qualificação dos processos eleitorais. A fidelidade partidária, financiamento público exclusivo de campanha, votação em lista fechada e a possibilidade de revogação de mandatos pela população devem ser prioridades. Antes de tudo é necessário criar a equidade nas disputas políticas que se fazem via mecanismos da democracia representativa.
Uma reforma política que fique restrita apenas ao sistema eleitoral não serve à sociedade. Discutir apenas a fidelidade partidária, o financiamento publico de campanha, votação em lista pré-ordenada é uma reforma de perfumaria. Precisamos ir além, muito além.
É preciso democratizar a vida social, as relações entre homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e idosos, na vida privada e na esfera pública. É preciso democratizar as relações de poder. Portanto democracia é muito mais que apenas um sistema político formal, é também a forma como as pessoas se relacionam e se organizam. Neste sentido, reforma política é devolver o poder ao povo do qual ele nunca devia ter retirado.