São muitos os desafios técnicos de engenharia e inúmeros os problemas sociais e ambientais envolvidos, alguns ainda desconhecidos. Prevê-se a intensificação do desmatamento na região e o conseqüente aumento das emissões de gases de efeito estufa – confesso que desconheço se alguém calculou a quantidade de gases poluentes e CO2 será “necessário” lançar na atmosfera para produção do cimento utilizado. Também se prevê o ressecamento de áreas úmidas e de vários cursos d’água, comprometendo a biodiversidade em geral e a biodiversidade aquática em particular. Isso tem implicações diretas no modo de vida e nas fontes alimentar e de renda de comunidades indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares. Calcula-se em pelo menos 30 mil o número de pessoas afetadas diretamente pelas obras e pelas mudanças ambientais provocadas no rio Xingu. A esse problema se acrescenta uma onda migratória que pode chegar a 100 mil pessoas somente para a cidade de Altamira, dobrando a população atual e agravando ainda mais a situação social na região.
Mas ao contrario do que se poderia pensar, neste breve artigo não vou me ater a traçar os inúmeros problemas, conflitos e disputas em torno do barramento e da instalação da usina hidrelétrica no rio Xingu. Antes, quero chamar a atenção para Belo Monte como um caso interessante para nos ajudar visualizar os principais agentes e relações que estão configurando o modos operandi do capitalismo à brasileira na atualidade – ao menos no tocante aos grandes projetos de infra-estrutura – e uma característica ainda pouco problematizada: o que estou chamando de mistura de capitais.
Além do papel decisivo do Estado na viabilização deste e outros projetos, os fundos de pensão de funcionários de empresas estatais têm assumindo ai crescente protagonismo, tanto financeiro quanto político. A PREVI (dos funcionários do Banco do Brasil) é considerado o maior fundo de pensão da América Latina, responsável por um patrimônio de R$ 142,6 bilhões. A ele seguem PETROS (dos funcionários da Petrobrás), FUNCEF (funcionários da caixa Econômica Federal), Fundação CESP (ligado as empresas publicas e privadas do setor de energia elétrica do Estado de São Paulo) e VALIA (dos funcionários da mineradora Vale). Coincidentemente, ambas PREVI e FUNCEF têm à frente dirigentes ligados as principais centrais sindicais de trabalhadores no Brasil, particularmente a CUT, e manifestaram intenção de investir na construção de Belo Monte.
O BNDES é outro ator chave no atual modelo de financiamento dessas obras, assumindo parcela considerável do financiamento alegando serem de “utilidade pública”, ou por intermédio da holding BNDESPar (BNDES Participação S.A.), criada pelo banco para administrar sua participação no capital de empresas estatais e privadas de setores como papel e celulose, armamentos, etanol, carne bovina, construção civil e engenharia, petróleo e gás, mineração etc.
Considerado o “grande filé” do momento no setor hidroenergético, a exploração comercial de Belo Monte está atraindo grandes grupos empresariais do setor. Um desses é o Grupo Neoenergia, considerado o terceiro maior investidor privado do setor elétrico brasileiro, que entra na corrida por Belo Monte integrado com a Vale, Andrade Gutierrez e Votorantim. Coincidentemente o fundo previdenciário dos funcionários do Banco do Brasil (PREVI) controla 49% das ações desse grupo, seguido do grupo espanhol Iberdrola com 39% e o Banco do Brasil Investimentos (BBI) com 12%. A PREVI também é a principal controladora da Vale junto com o banco Bradesco.
Um interessante arranjo político-financeiro – típico dos tempos de “mistura de capitais” – encontramos na conformação da Companhia Energética de Minas Gerais. O Grupo CEMIG é uma empresa mista, de capital aberto, controlada pelo Governo de Minas Gerais que até o dia 7 de abril dizia não ter interesse em associar-se com qualquer um dos consórcios que disputarão Belo Monte, mas compor com o grupo vencedor. Entre os acionistas da CEMIG estão fundos de pensão nacionais (PREVI, PETROS, CENTRUS, FUNCEF e Eletroceee) e internacionais (United Nations Joint Staff Pension Fund, The State of California Public Employees Retirement System, The United Nations Joints Staff Pension Fund), além de grandes instituições financeiras internacionais (Citibank NA New York, Abu Dhabi Investment Authority, Deutsche Bank AG London, Credit Suisse First Boston).
Espero ter podido suscitar no leitor a curiosidade necessária para que siga buscando informar-se sobre os arranjos políticos, financeiros, sociais e culturais que estão viabilizando o chamado de “novo milagre brasileiro”, que com a emergência dos fundos de pensão na última década configura uma inédita mistura de capitais. Bom seria se pudéssemos falar sobre as relações disso tudo com o novo modelo extrativista em implantação na região sul-americana, mas isso vai ficar para uma próxima vez, pois infelizmente chegamos ao limite do espaço disponível.
Ricardo Verdum
Instituto de Estudos Socioeconômicos