“A Vale assassinou a todos nós. Enquanto mãe eu morro um pouco a cada dia”

11/03/2019, às 16:18 (atualizado em 16/03/2019, às 22:58) | Tempo estimado de leitura: 9 min
Por Por Maurício Angelo, para o site do Inesc
Andressa Rodrigues perdeu o único filho na tragédia de Brumadinho. Para ela, leis precisam ser mais rígidas frente ao modelo predatório de mineração.
Ilustração: Thaís Vivas

Neste mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) conversou com uma mãe que perdeu seu filho na tragédia-crime de Brumadinho. Andressa Rodrigues, 41, mãe de Bruno Rodrigues – seu único filho, engenheiro da Vale que segue desaparecido embaixo da lama – espera mudanças na lei pelo fim do modelo predatório de mineração.

“Enquanto mãe eu morro um pouco a cada dia. A Vale assassinou também os familiares, os amigos, assassinou a todos nós. Nunca tomei remédio tarja preta, mas hoje tomo para dormir, para acordar, para comer, para viver, para vegetar nesse espaço”, conta Andressa, que é nascida e criada em Mário Campos, município vizinho a Brumadinho (MG). Bruno, uma das 122 pessoas que permanecem desaparecidas, completaria 27 anos em 30 de março. Até o momento, são oficialmente 182 mortos.

Andressa, no entanto, não foi procurada pela Vale para receber assistência até o momento e não tem qualquer canal de comunicação com a empresa. A mineradora se limitou a oferecer ajuda psicológica e nada mais.

“Eu quero o corpo do meu filho, não quero uma certidão de óbito, isso é o mínimo. Se fosse um pedaço de diamante que tivesse a 50 metros de profundidade, o pedaço de diamante não ficaria lá, você concorda?”, ela pergunta. “Pois então, com essa mesma habilidade que tem de cravar crateras, que devolvam meu filho. Esse é o clamor de mãe”, exige.

Segundo Andressa, não existe contato direto com as famílias e a única fonte de informação que tem é a televisão e a internet. Ela conta que a reunião da qual participou foi por iniciativa do Ministério do Trabalho, que convocou também os bombeiros para esclarecer as famílias. “Mas nós não temos notícia de nada, os familiares estão abandonados. Pela Vale, a prefeitura, o Estado. Eu só vejo informação pela mídia, porque fico procurando”.

Antes de ser efetivado na Vale, Bruno Rodrigues foi estagiário da empresa por 2 anos. O filho de Andressa se formou em técnico em mineração com 19 anos, passou por outras mineradoras antes de chegar na Vale em 2016 e concluiu a faculdade de engenharia de produção em março de 2018, sendo então efetivado. Andressa conta que visitou a Vale no ano passado e nunca foi informada sobre barragens de rejeitos, seus riscos, sua operação e que a empresa jamais foi transparente.

“A maquiagem era perfeita. Ficamos duas horas dentro de uma sala ouvindo sobre mineração e nunca foi mencionado nada. Não vi nem sequer que tinha barragem, jamais imaginei que o restaurante estaria embaixo. Meu filho dizia que não havia risco porque a separação do minério era a seco. Quem assinou os laudos não são pessoas leigas, elas sabiam o que estavam fazendo. Sabiam que estavam levando as pessoas para o matadouro e assinaram assim mesmo”, diz. De acordo com Andressa, a Vale omitiu qualquer informação antes e depois do rompimento.

Análise de Alessandra Cardoso, assessora política do INESC, lembra que a Vale vem batendo recorde de produção de minério de ferro ano após ano. “Essa produção foi combinada com a redução sistemática dos seus custos de produção graças à sua agressiva terceirização em tempos de flexibilização da legislação trabalhista. O Estado brasileiro, por sua vez, apoiou fortemente a redução de custos, estimulando o crescimento acelerado da produção e, logo, a geração de excrementos minerais”, afirma.

Isso tudo culminou – também – no rompimento da barragem em Mariana, em 2015 e agora em Brumadinho. Pressionados pelas metas de produção e lucro da empresa, que deliberadamente buscou ser “uma das maiores pagadora de dividendos do Brasil”, os funcionários da Vale eram obrigados a acelerar a produção e aumentar o fluxo de rejeitos que, no fim, ameaçavam suas próprias vidas.

Andressa conta que não espera nada mais da Vale, “a não ser destruição e matar mais pessoas”. Na sua visão, colocaram a raposa – a empresa – para tomar conta das famílias atingidas. A mudança que espera é que as leis se tornem mais rígidas, levando em conta a vida em detrimento do dinheiro.

“Espero que o minério não seja uma forma de escravizar a população, porque ele escraviza. Sem a mineradora não tem emprego, não gera imposto para a cidade, as pessoas ficam escravizadas naquilo que está matando-as a cada dia e acaba matando em massa. A população precisa levantar seu clamor para dizer que basta de mineradoras nesta forma predatória, que a cada dia leva nossas vidas, nossas verdadeiras joias”.

Confrontando Fábio Schvartsman, presidente da Vale afastado temporariamente, que afirmou que a Vale era “uma joia brasileira” e que não poderia ser culpada “por um acidente”, Andressa reclama da completa indiferença em relação às famílias que tiveram seus entes queridos sepulta dos vivos pela mineradora. Em audiência pública, Schvartsman permaneceu sentado durante o minuto de silêncio em respeito às vítimas.

“O presidente da Vale e toda a diretoria já estão adaptados, já sabem que se não houver uma mudança da população, da legislação, de toda a sociedade, vão continuar impunes. Por isso ele ficou sentado. Indiferente. Sabe que tem costas quentes. Muitos políticos são financiados pelo lobby das empresas”, lembra Andressa, consciente do poder que as grandes empresas têm na definição de leis, licenciamentos, fiscalizações e punições.

Para a mãe de Bruno, a Vale não matou sozinha. “Onde estava o Estado quando liberou para ter o funcionamento? A Defesa Civil quando acompanhou a questão da existência do plano de emergência? Os conselhos ambientais? Ninguém libera uma mineração sozinha. A Vale é a pior, mas há muitos responsáveis nesta história”, cobra.

Andressa também lembra que o minério só tem valor porque existe, antes de tudo, a vida, as pessoas que poderão inclusive utilizar os produtos fabricados com o mineral. Sem isso, o minério é inútil. “A Vale e outras empresas mineradoras não são joias. Elas matam a fauna, a flora, os rios, destroem famílias. Hoje eu vejo o minério como uma forma de crime. Crime contra a vida em todas as instâncias”, finaliza.

Neste 08 de março, a luta de Andressa se soma à das centenas de mulheres atingidas. Como o caso de Marina Oliveira, moradora de Brumadinho. Em depoimento para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Oliveira reforça que a resistência será permanente.

“A morte dos meus amigos era mais lucrativa do que o reparo na barragem e as devidas providências por parte da Vale. Eu sei que é difícil, que vai demorar anos e é uma luta longa, mas espero que hoje seja um pouquinho de esperança. Mas mesmo se não for a gente vai continuar lutando. Daqui pra frente vai ser assim, a gente não pediu pra isso acontecer, mas agora que aconteceu eles vão ter que aguentar, o povo organizado, o povo unido, todos juntos.”

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Categoria: Notícia
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