Não é de hoje que o povo tem um profundo mal estar com o poder, com as formas tradicionais de se fazer política, com as instituições e com os processos eleitorais que, na maioria dos casos, escolhe quem não representa a maioria da população.
O nosso sistema político é herdeiro e, ao mesmo tempo, alimentador das nossas mazelas como país: profunda desigualdade (de gênero, de raça/etnia, de classe), machismo, racismo, homofobia, não reconhecimento dos/as indígenas como povos. Este sistema político foi montado para favorecer e manter as oligarquias no poder. Oligarquia que, ao longo do tempo, foi se modificando e hoje é a “moderna oligarquia do mercado financeiro”. Ele é herdeiro do autoritarismo e, principalmente, da ditadura militar.
A Constituinte de 1986/1988 não conseguiu enfrentar estas mazelas, primeiro pelo próprio formato que teve – foi o congresso que fez e não uma assembleia constituinte exclusiva e soberana. Este formato definiu a composição e o conteúdo da nova constituição: avançada nas questões sociais e conservadora na questão da propriedade, da economia, do mercado financeiro, do sistema político, das forças armadas e das polícias e, principalmente, das instituições. Continuamos com um poder todo centrado na representação, no poder das instituições, e não na soberania popular. Praticamente, a única forma de expressão da soberania popular é o voto, com todos os limites e, o pior, todos os vícios do nosso sistema eleitoral, que possui dois grandes problemas: a dominância do poder econômico e a sub-representação de vários segmentos nos espaços de poder.
Hoje, quem financia as campanhas são grandes empresas que, depois, cobram a conta através da corrupção e/ou da implementação de projetos/políticas públicas de seus interesses. Temos um parlamento formado por homens, urbanos, brancos, ricos, proprietários, heterossexuais e cristãos. Por exemplo, temos menos de 9% de deputadas, menos de 8% de parlamentares negros/as, nenhum indígena. Isso não representa a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira. Esta mesma disparidade está presente em todas as instâncias do Estado, não esquecendo aqui de nomear o judiciário.
Para mudar isso precisamos de um processo político na sociedade, com força social e política, organização de base, debates, acúmulo de forças, mobilização e formulação de um novo projeto de nação e de sociedade que passa, necessariamente, pela construção de outro sistema político.
Ao longo dos últimos anos, movimentos sociais, organizações, articulações da sociedade e igrejas construíram duas grandes estratégias: a iniciativa popular da reforma política democrática e eleições limpas e o plebiscito popular pela convocação de uma assembleia constituinte exclusiva e soberana do sistema político.
A iniciativa popular é organizada pela Coalizão pela Reforma Política, que promoveu um processo de diálogo e unificou a proposta da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político e a do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). A iniciativa popular é um instrumento da democracia direta previsto na Constituição e tem uma série de exigências, como por exemplo, obter perto de 1.500.000 assinaturas, não apresentar propostas de mudança constitucional, ter o número do titulo eleitoral, etc. No entanto, ela consegue, mesmo com estes limites, enfrentar questões importantes e estruturais do nosso sistema político, como o peso do poder econômico nas eleições, a sub-representação de vários segmentos no parlamento, a necessidade de fortalecer os instrumentos da democracia direta, de resgatar a importância dos partidos e criar mecanismos democráticos de controle e fiscalização do processo eleitoral.
A iniciativa popular é uma estratégia que se propõe atuar em um tempo político mais curto, isso é, mobilizar a sociedade para forçar que este Congresso aprove uma reforma política que responda aos anseios de amplos segmentos da sociedade. Como a iniciativa popular faz isso? Na questão do financiamento, propõe mecanismos democráticos proibindo o aporte de recursos por parte das empresas. As eleições passariam a ser financiadas com recursos do orçamento público e de contribuições de pessoas físicas. Tudo isso com limites e como estratégia para democratizar o processo, combater a corrupção e limitar e baratear os custos das campanhas. Propõe um sistema de escolha dos/as representantes em dois turnos. Os partidos elaboram de forma democrática listas partidárias com alternância de sexo e critérios de inclusão dos demais segmentos sub-representados. O primeiro turno visa a definir quantas cadeiras no parlamento o partido vai ter. No segundo turno, participa o dobro de candidatos/as e o/a eleitor/a vota no nome de seu/sua representante.
Para fortalecer a democracia direta, a iniciativa popular propõe que determinados temas só possam ser decididos por plebiscitos e referendos, como por exemplo, grandes projetos com grandes impactos socioambientais, privatizações, concessões de bens públicos, megaeventos com recursos públicos, entre outros. Para conhecer na integra a proposta da Iniciativa Popular, acesse aqui.
Já o Plebiscito Popular abarca três estratégias: trabalho de base, formação política e discussão ampla com a sociedade. Busca-se debater a institucionalidade que temos e a que queremos (sistema político) e o lócus político para se fazer esse debate é a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana. O horizonte político do Plebiscito Popular é de longo prazo, é o de acumular forças na sociedade para poder provocar as rupturas que precisamos. Neste sentido, é fundamental o processo de conquista de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana.
Esta mesma demanda por uma Constituinte Exclusiva e Soberana esteve presente em 1985. Mas, não tivemos força política suficiente para torná-la realidade na ocasião e tivemos uma Constituinte Congressual (o Congresso que fez), sem soberania (pois estava subordinada à vontade do executivo, dos militares e do poder judiciário). Em outras palavras, para provocar as rupturas que precisamos, urge criar novas institucionalidades onde o alicerce do poder é a soberania popular, onde o poder constituinte seja o próprio poder popular.
O instrumento que temos para fazer isso é a convocação de um plebiscito popular com a seguinte pergunta “Você é favorável à convocação de uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político?”
Como o próprio nome diz, plebiscito popular quem organiza é o povo. Portanto, ele não tem valor legal, mas tem peso político na correlação de forças. A grande tarefa, no momento, é a organização de comitês populares amplos em todos os lugares possíveis para organizar a campanha de votação do Plebiscito e a coleta de assinaturas da iniciativa popular de 01 a 07 de setembro. Precisamos ter milhões de votos e coletar milhões de assinaturas. Para ter acesso ao debate do Plebiscito Popular acesse aqui.
Entretanto, não podemos nos organizar para setembro e parar por aí. O processo de luta pela reforma do sistema político precisa continuar após setembro, precisa ser pauta na disputa eleitoral, precisa organizar a sociedade, precisa ganhar amplos setores e pautar a necessidade de o Brasil realizar as grandes mudanças estruturais, que passam pelo fortalecimento do poder soberano do povo e de um novo sistema político. Sem isso, não vamos conseguir avançar nas reformas estruturais e muito menos enfrentar as questões que a Constituinte de 1988 não enfrentou ou mesmo cristalizou como, por exemplo, a supremacia do capital e da propriedade privada diante dos direitos dos povos.
Esta luta pela reforma do sistema política tem que ser nossa!