Promovida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), por meio do projeto Onda/Vozes da Cidadania, em articulação com diversas entidades e pessoas da sociedade civil, a audiência pública “Para além das algemas” buscou debater e encaminhar propostas – elaboradas pelos próprios jovens, com apoio dos/as educadores/as – que visam o aperfeiçoamento da política pública de medidas socioeducativas.
Leia a íntegra da carta apresentada durante a audiência:
Carta Aberta sobre o Sistema Socioeducativo do Distrito Federal
Audiência Pública, dia 18 de setembro de 2017
O envolvimento com o ato infracional não é fruto de escolha autônoma de adolescentes. A ausência de políticas públicas garantidoras de direitos ou políticas públicas discriminatórias, a falta de investimentos em áreas estratégicas, as enormes desigualdades sociais, o apelo radical pelo consumo, famílias desprotegidas e expostas a violências de diversas naturezas são os principais motores da perversa engrenagem que leva adolescentes para o circuito da criminalidade. Portanto, o desafio principal, no âmbito da prevenção, é investir, sobretudo, nas regiões mais desprotegidas.
Uma vez o/a adolescente envolvido/a com o ato infracional, o desafio passa a ser assegurar o cumprimento integral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase, oferecendo condições para que desenvolva possibilidades para o convívio social com novas perspectivas. Condições para retornar à escola da comunidade sem discriminação, para conseguir trabalho digno que respeite a situação peculiar de adolescência, ter assistência para lidar com as dependências químicas, assim como tratar com seduções de diferentes naturezas que dificultam uma construção cidadã. Enfim, amparo para esse novo momento.
O sistema socioeducativo tende a ser uma ação do Estado pouco monitorada pela população e, apesar dos avanços na legislação, o sistema ainda não incorporou a nova concepção. O Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como o Sistema Nacional do Sistema Socioeducativo – Sinase são taxativos quando determinam que as medidas sejam fundamentalmente educativas.
É urgente que se desenvolva uma perspectiva educacional diferenciada, um olhar humanizado para todo o conjunto de pessoas que atuam no sistema, sejam servidores/as, familiares, adolescentes, organizações da sociedade civil e voluntários/as.
Por isso, não aceitamos o uso de qualquer instrumento que não seja pedagógico para lidar com conflitos ou tensões. Não cabe a prática da autoridade violenta como a liberação do uso de gás de pimenta ou de armas de fogo nas Unidades Socioeducativas.
Insistimos na importância de projetos pedagógicos consistentes, construídos com a participação de todos os segmentos de cada unidade, que sejam amplamente divulgados, conhecidos e incorporados no cotidiano.
O sistema socioeducativo não funciona sozinho e é necessário garantir que todas as políticas públicas, famílias e demais setores da sociedade assumam suas responsabilidades perante o compromisso de garantir ao adolescente que cumpriu medida socioeducativa de privação de liberdade uma volta ao convívio social em patamares de cidadania e novas referências sociais.
O que se constata hoje é que o sistema tem adoecido servidores, adolescentes e familiares com as suas fragilidades e incertezas institucionais. O trabalho é tenso e angustiante, e, para o seu propósito se cumprir é necessário que se perceba a urgência de fazer prevalecer o caráter educativo sobre o prisional.
O grupo pontua situações a se superar:
PARA O SISTEMA DE JUSTIÇA
- Observar o caráter de excepcionalidade da medida privativa de liberdade, privilegiando as medidas em meio aberto.
- Desenvolver um contato sistemático do/a adolescente com o Defensor Público, informando aos adolescentes sobre o papel da defensoria.
PARA O EXECUTIVO
- Assegurar o número de servidores efetivos suficiente para o pleno funcionamento do Sinase.
- Implementar imediatamente atividades físicas e culturais conforme preconiza o Sinase.
- Reformar ou construir espaços adequados para o desenvolvimento de atividades artísticas, culturais e pedagógicas.
- Suprir as Unidades com materiais pedagógicos para o melhor funcionamento das escolas que atendem ao sistema socioeducativo.
- Suprir as Unidades com material de higiene pessoal, vestimentas adequadas para o clima, alimentação saudável.
- O fim imediato de revista vexatória.
- Universalizar as ofertas de cursos profissionalizantes nas Unidades, observando os diferentes graus de escolaridade dos socioeducandos. Observar o Programa Temático 6221 (Educa Mais Brasília) do Plano Plurianual do DF (PPA-DF 2016-2019): Objetivo Específico 002 – Qualidade do Ensino – Meta 11: Ofertar Educação Profissional nas unidades de internação para 50% dos adolescentes e dos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. (SEDF) – Ação Orçamentária 1755. Portanto, até o final de 2019, pelo menos, 50% dos adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade devem estar inseridos em formação profissional.
- Garantir o acompanhamento sistemático de adolescentes egressos/as assegurando acolhimento na escola da comunidade e diálogos para evitar qualquer forma de discriminação; geração de renda na condição de aprendiz, quando for a demanda; suporte para lidar com as dependências químicas e ajuda para lidar com o contexto da violência que permanece nas comunidades. Considerar o Programa Temático 6228 – Famílias Fortes do PPA-DF – 2016-2019: Objetivo Específico 004 – Proteção Integral às Crianças, Adolescentes e Juventude – Meta 2: Capacitar os socioeducandos e acompanhar os egressos do Sistema Socioeducativo. (SECRIANÇA)
- Assegurar linhas de ônibus e acesso a todas as Unidades de Internação – destaque para a Unidade de São Sebastião que não tem linha.
PARA O LEGISLATIVO
- Assegurar na LOA orçamento adequado para a efetivação plena do Sinase e acompanhar a execução orçamentária;
- Fiscalizar, em parceria com a Sociedade Civil, todas as medidas socioeducativas;
- Provocar diálogos com o executivo e o judiciário a fim de se garantir a efetivação plena do Sinase e corrigir as possíveis distorções.
Articulação em favor do Sistema Socioeducativo do Distrito Federal
Pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes