Márcia Acioli, assessora política do Inesc.
São muitos os gritos que vêm da periferia. Múltiplas vozes que brotam das mais diversas circunstâncias e espaços. Tem o grito da violência e da dor, mas também da esperança e a que clama por justiça e direitos.
Um grito gutural ecoa enquanto um vídeo nos conduz a um corpo caído. As mulheres histéricas somam suas vozes à da mãe que, desesperada, não tem o que fazer além de expor sua desmedida dor. Naquele instante, Eduardo de Jesus, 10 anos, deixa de ser criança e se torna uma fria estatística. É mais um entre 30 mil jovens brasileiros que não chegará à idade adulta.
A ação que resultou na morte de Eduardo não pegou os moradores do Morro do Alemão de surpresa. Eles estão acostumados com os gritos dos policiais invadindo as ruas da comunidade, com seus “berros” (gíria carioca para as armas) impondo uma ordem torta e ameaçadora. Na operação policial que resultou na morte do menino Eduardo de Jesus, outros três moradores morreram. A comunidade reagiu contaminada pela dor e pelo desejo de viver sem a permanente ameaça de morte. Quando saiu à rua para gritar pela vida e contra a violência, a polícia berrou de volta, com mais violência.
Uma semana antes da morte de Eduardo no Rio, o jovem Bruno Alves, 26 anos, negro e morador da cidade de Planaltina, na periferia de Brasília, também foi assassinado. A roda da violência não para de girar. Mas outros gritos podem ser ouvidos e apontam soluções.
No mesmo dia do assassinato de Bruno, jovens de todo o Distrito Federal se reuniram na Cidade Estrutural, também periferia da capital federal, para o sarau Grito das Periferias organizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o Coletivo da Cidade, Art’sam, Cedeca-DF, Família Hip-Hop, Renajoc e Casa das Rdes, com apoio da Embaixada da Holanda.
O objetivo do encontro foi discutir violências contra as juventudes das comunidades populares. Os gritos foram poéticos, estéticos e carregados de sentido fraterno, mesmo retratando realidades duras nas quais perder um amigo ou irmão é comum, e meninas e mulheres serem estupradas são cenas cotidianas.
No Grito das Periferias, jovens do projeto Onda, organizado pelo Inesc, expuseram pesquisa realizada na Cidade Estrutural na qual todos os jovens negros falam da violência policial, enquanto nenhum jovem branco a cita, refletindo assim, nítidos sinais de violência institucional fundamentada pelo racismo. O dado não causou estranhamento aos jovens presentes.
Homicídios de jovens e de adolescentes são tratados em estudos como o Mapa da Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Índice de Homicídio na Adolescência, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ambos revelam fatores que aumentam a probabilidade de um jovem ser morto. Raça, gênero, idade e territórios são fatores que elevam as chances de um adolescente ser vítima de homicídio. A probabilidade de um jovem negro ser morto é quase três vezes superior em comparação com um jovem branco.
O Mapa da Violência 2014 mostra uma acentuada tendência de queda no número de homicídios da população branca e de aumento no número de vítimas na população negra. De fato, entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui na proporção de 24,8%, sendo que entre os negros observa-se um crescimento de 38,7%.
Contraditoriamente, meninos negros, pobres e moradores de periferia ainda são apontados como principais autores da violência urbana. Setores conservadores da sociedade brasileira difundem a exceção como regra. Investem pesado na formação de uma opinião pública pelo rebaixamento da idade penal, contrariando todos os estudos e vozes de especialistas que comprovam que mais cadeia não resolve o complexo problema da violência.
A periferia sabe gritar outros gritos, a plenos pulmões, que ecoam em uníssono por justiça, dignidade e direitos. A periferia grita: mais educação, menos prisão!