O discurso de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) feito pelo presidente Lula — prometendo um crescimento sustentável (não usou esta palavra) de pelo menos 5% ao ano do Produto Interno Bruto (PIB) e afirmar que o desenvolvimento não se deve realizar em prejuízo da democracia — não foi unanimidade entre as organizações da sociedade civil. Tanto as entidades empresariais como as organizações sindicais apresentaram ressalvas.
O governo prevê investimentos da ordem de R$ 503,9 bilhões em quatro anos. A maior parte virá das empresas estatais (R$ 436 bilhões). Para 2007, há um montante de R$ 77 bilhões, em investimentos públicos, no orçamento da União, sendo R$ 49 bilhões de responsabilidade das empresas estatais e outros R$ 26 bilhões de aplicação do governo (orçamento fiscal e da seguridade social). É um projeto que conta, em grande parte, com recursos da iniciativa privada e a forte utilização das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Até o momento, as PPPs não foram apropriadas pela iniciativa privada como um bom negócio. Há, também, uma série de restrições dos segmentos de esquerda, inclusive internacional.
Avaliamos que o programa está sendo implementado no sentido de auxiliar a execução de diversos projetos que estão programados no âmbito da Iniciativa de Infra-estrutura Sul-americana. É, digamos, a parte nacional da IIRSA. Alguns cientistas políticos estão indicando que o PAC pode indicar uma retomada do modelo no qual o Estado é provedor do desenvolvimento. Dessa forma, estaria sinalizando com a volta do Estado interventor na economia. Mas, o PAC pode entrar pelo caminho do insustentável e contradizer todos esses pareceres caso decisões, como as do Comitê de Política Monetária (COPOM) se multipliquem. A decisão do COPOM de diminuir o ritmo de redução da taxa de juros SELIC foi uma ducha de água fria no clima criado pelo presidente Lula a favor do crescimento do país Ao fixar a taxa em 13%, reduzindo somente 0,25%, o Comitê diz a quais interesse está servindo. Num clima de busca de apoio ao setor produtivo para investir mais e gerar mais empregos, reforçar os interesses do capital financeiro e especulativo é no mínimo um contra senso. É a luta da usura contra a produção, contra o crescimento.
O PAC foi apresentado não como um programa de governo, mas como um programa de Estado. Ambiciona-se que seus marcos não se delimitem somente a um mandato governamental, mas que se estendam por um largo tempo. Tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, como a da Casa Civil, Dilma Rousset, se expressaram favoráveis à necessidade de o governo deixar um portfólio de projetos aos governos futuros.
O presidente Lula disse que o país deve acelerar seu crescimento, mas com responsabilidade e não como a música da jovem guarda em que entrávamos a 120 por hora na Rua Augusta. Naqueles dias, recordo, parávamos a quatro dedos da vitrine ou do desastre (mesmo nas curvas da estrada de Santos). Esperamos que o governo também possua bons freios para proteger, em especial, os segmentos mais vulneráveis da população. Pensamos nas populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares e camponeses que sofrerão diretamente o impacto das obras programadas.
Neste sentido, o PAC não aborda nenhum programa de desconcentração da terra, em especial no Norte onde se concentram imensas áreas griladas. Onde a violência do latifúndio faz do trabalhador livre, escravo. Determina quem vive e quem morre. Sem nenhuma medida de desconcentração de poder a oligarquia agrária vai se apropriar, em grande parte dos R$ 8,1 bilhões que serão aplicados na melhoria e construção de estradas. As terras dos latifúndios serão valorizadas e o que era improdutivo passará a valer moeda corrente no mercado de capitais.
O PAC está divido em cinco blocos: as medidas de investimento em infra-estrutura, de estímulo ao crédito e financiamento, investimento institucional, desoneração tributária e medidas fiscais de longo prazo. O portfólio de infra-estrutura é o mais importante para o governo. Por isso, a sociedade civil e o Ministério Público devem se manter alerta, pois as obras, em geral, envolvem um alto grau de risco de corrupção, malversação e desvio de recursos públicos. O ministro Mantega expôs a possibilidade de o governo investir cerca de R$ 24 bilhões neste setor — equivalente a 1% do PIB. Se com isso o governo espera alavancar o PAC, imagine o quanto o país poderia avançar se investisse os R$ 166 bilhões que serão pagos de juros e serviço da dívida pública, este ano.
Dos outros blocos do programa, o que causa maior preocupação é o que diz respeito às leis ambientais. O presidente Lula fez uma declaração infeliz. Afirmou que as atuais leis ambientais estavam travando o desenvolvimento. O ministro Mantega, em sua exposição, reforçou tal declaração afirmando ser necessário melhorar o marco regulatório das leis ambientais para “abrir caminhos para que o investimento possa se realizar”. Esperamos que este sentimento bandeirante de “abrir caminhos” não ocorra com ônus ambiental e dos recursos naturais.
A apresentação do PAC como um programa de Estado é uma iniciativa importante. Lamentamos que ele tenha vindo à luz somente no segundo mandato e não no primeiro, onde as possibilidades de avançar seriam mais realistas. Além de observar a falta de ritmo política do governo, questionamos se os próximos governos terão a mesma avaliação das necessidades conjunturais.
Acreditamos que as organizações da sociedade civil do campo democrático se alinham à necessidade de um projeto de governo que impulsione o desenvolvimento nacional com justiça social. Avaliamos que a manutenção do crescimento do país em índices irrisórios, como os das duas últimas décadas, promoverá um acúmulo insustentável de injustiças sociais e de assimetrias regionais. Neste contexto, quem está sustentando os déficits nacionais são as classes economicamente menos favorecidas e as desigualdades regionais estão se ampliando em vez de diminuir as suas margens.
Aplaudimos a iniciativa do governo de dizer quais são os seus planos para os quatro anos de mandato, aonde vai jogar força e no que vai investir. Mas, é importante que as organizações sociais mantenham suas antenas ligadas, atentas à fiscalização e ao monitoramente dos projetos do PAC. Seria muito importante que os coletivos sociais promovessem avaliações constantes do desenvolvimento do PAC para manter a sociedade informada e mobilizada.