Se observado desde a perspectiva fria dos números, pode-se afirmar que em 2018 houve uma melhora de recursos para as políticas públicas indigenistas a cargo da Funai. O orçamento autorizado para o órgão neste ano é de R$ 596,90 milhões, frente aos R$ 548,65 milhões autorizados em 2017[1].
Contudo, esse ganho de R$ 48 milhões não é capaz de recompor a capacidade orçamentária da Funai, que segue como uma das mais baixas dos últimos 10 anos. Além disso, é preciso entender onde o recurso será alocado e se existem condições para ele ser executado, principalmente em uma conjuntura de desmonte do órgão e de “teto de gastos”.
Abaixo, apresentamos algumas lentes de observação que podem ajudar a entender melhor a questão:
- Em termos de grupos de despesa (gastos com pessoal, gastos com outras despesas correntes, gastos com investimentos e gastos com inversões financeiras), o aumento observado está densamente localizado em “outras despesas correntes”, com acréscimo de quase R$ 47 milhões em 2018, em comparação com 2017.
- Se analisarmos mais a fundo esta categoria “outras despesas correntes”, veremos que as despesas que mais cresceram foram as vinculadas à execução do programa orçamentário finalístico da Funai: “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”. Neste Programa, estão as ações que configuram a expressão orçamentária da Política Pública indigenista: 1) Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados; 2) Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento; 3) Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas de Recente Contato; 4) Direitos Sociais e Culturais e à Cidadania; 5) Preservação Cultural dos Povos Indígenas.
- No total, as despesas previstas com este conjunto de ações tiveram um aumento de R$44,6 milhões em 2018. São elas que tornam a política pública mais visível aos olhos dos povos indígenas, por isso são comumente denominadas ações finalísticas. As ações garantem, por exemplo, a contratação de laudos antropológicos para subsidiar processos de demarcação, a compra de combustíveis para carros e embarcações utilizadas para o trabalho de fiscalização das Terras Indígenas, ou, ainda, o apoio a projetos de processos educativos indígenas.
- O gráfico abaixo evidencia o comportamento orçamentário de cada uma das ações nos últimos três anos. São as ações de “Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados” e “Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento” que responderam por quase todo o crescimento do orçamento finalístico da FUNAI: a primeira, com um ganho de R$ 25,3 milhões e a segunda com um ganho de R$ 19,6 milhões.
- As “despesas de pessoal” tiveram, por sua vez, um aumento de apenas R$ 5,5 milhões, sinalizando a manutenção do atual quadro de funcionários – que é muito precário e um dos muitos gargalos da Funai. Importante lembrar que em 2017 houve um corte de quase 20% do corpo técnico do órgão. Foram eliminados 87 cargos comissionados, desmonte que atingiu principalmente a Coordenação Geral de Licenciamento (CGLIC) e as Coordenações Técnicas Regionais (CTLs), áreas estratégicas responsáveis pela análise dos impactos de grandes empreendimentos em terras indígenas, além de fazer o trabalho de receber e levar demandas dos povos indígenas ao poder público. Mesmo com esse corte significativo, as despesas com pessoal consumirão 69,5% de todo o orçamento da Funai em 2018 o que evidencia, ainda mais, o quadro de penúria do órgão.
- Por fim, há que se notar o aumento sem perder de vista o cenário prospectivo. O gráfico abaixo oferece uma análise em perspectiva do orçamento 2018 e mostra que, em termos reais, o aumento no orçamento total para 2018 é pouco expressivo e não permite a superação do desastre que acometeu o órgão nos dois últimos anos, mantendo a capacidade orçamentária da Funai como uma das mais baixas dos últimos 10 anos.
- Além disso, embora o aumento de recursos para programas finalísticos seja uma “boa notícia”, o fato é que a Funai seguirá com severas dificuldades operacionais em 2018, sobrepostas às dificuldades e pressões políticas, o que tende a comprometer sua capacidade de executar o orçamento mesmo sendo ele tão reduzido. Isto aconteceu claramente em 2017. Somente 63,8% do orçamento autorizado para o Programa de “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” foi executado, já incluindo aí os chamados “restos a pagar”, que são aqueles compromissos de pagamento derivados de anos anteriores. Se considerado somente o que foi pago de compromisso assumido em 2017, a Funai conseguiu executar somente 44% do recurso que, teoricamente, tinha disponível. Isto porque, além do desmonte institucional, como já mostramos em outras notas, em 2017 os recursos da Funai também foram severamente comprometidos com os cortes orçamentários (contingenciamentos) que tiraram R$ 60,7 milhões de recursos do órgão, comprometendo principalmente as ações finalísticas.
>>>Leia também a Nota Técnica Orçamento e Direitos Indígenas na Encruzilhada da PEC 55
A Política Indigenista, assim como as demais políticas públicas e o orçamento público federal para 2018, sofre visivelmente a influência do Teto dos Gastos e da ideologia da austeridade fiscal sustentada pelo governo federal e incentivada pelo Banco Mundial. A fragilidade institucional e orçamentária da Funai é, também, reflexo da influência, por dentro do Estado, de pressões políticas de grupos de interesse que estão de olho no controle de terras e recursos naturais.
Nesse contexto, embora possa parecer alentador um aumento de recursos para a Funai, dificilmente este ganho se reverterá em alguma melhora efetiva na vida dos povos indígenas.
[1] – Optamos por utilizar os dados do orçamento inicial (dotação autorizada na Lei Orçamentária) em cada ano para buscar uma maior equivalência com o orçamento inicialmente aprovado em 2018. Ao longo do ano o orçamento sofre alterações seja em função de cortes (contingenciamento) seja em função da abertura de créditos que ampliam (marginalmente) a dotação autorizada. Em 2017 a Funai iniciou com um orçamento de R$ R$ 548,65 milhões, mas ao longo do ano este orçamento foi levemente ampliado alcançando R$ 560,15 milhões.
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