“…Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.”
Carolina de Jesus
Por Dyarley Viana, assessora técnica do projeto OCA, moradora da Cidade Estrutural
Talvez você não saiba, mas as mulheres são maioria no exercício da catação no Distrito Federal. Segundo o Cadastro Único para Programas Sociais, existem no lixão de Brasília 2.827 catadores, sendo as mulheres 60% desse grupo. E são justo elas violadas em demasia, desassistidas de políticas públicas que atendam suas particularidades.
Em números exatos, são 1.702 mulheres que, desde 20 de janeiro deste ano, lidam com o fato do fechamento do Lixão da Estrutural – o maior da América Latina – como sinônimo de insegurança alimentar para elas e seus filhos. São mulheres negras, periféricas e com baixa escolaridade que estiveram em condição de trabalho infantil. São mulheres esquecidas, que passam despercebidas nas discussões de gênero e raça. Seriam seus trajes os responsáveis por tamanha invisibilidade? Qual crença sobre a identidade das mulheres é responsável por usurpar o lugar de mulher dessas trabalhadoras?
Historicamente, são notórias as resistências e as conquistas do Movimento de Mulheres, contudo, uma linha separatista, classista e racista segue “organizando” as conquistas das mulheres, pois as catadoras pouco se beneficiam dessas lutas. Vejamos: às vésperas do Dia internacional da Mulher, Brasília é mencionada com louvor na publicação de uma pesquisa, que tem como destaque a frase: “Brasília é o único lugar no país onde as mulheres recebem mais que os homens“. É uma pena que essa notícia não contemple todas as mulheres da cidade, pois as catadoras receberam a vergonhosa quantia de 73 reais por quinzena trabalhada nesses dois primeiros meses do ano.
Percebe-se uma Brasília distinta, que se enaltece e afirma suas ações inclusivas e igualitárias, mas que em suas práticas segue a lógica de privilégios a um grupo que melhor acessa as políticas públicas. Ressalto que esses privilégios são determinados pela cor da pele, o CEP, e a classe social.
Enquanto se propaga que Brasília deu um salto civilizatório com o fechamento do Lixão – e sim, deu! Esse salto se apoiou, pisou e pesou nos ombros delas: mulheres catadoras, mulheres negras, a base da pirâmide social, mergulhadas em exclusão e marginalização. Precisamos dar um salto muito maior, investindo em políticas públicas para todas as mulheres, sem distinção de cor, escolaridade, CEP, credo ou classe social.
A sociedade brasiliense revela uma urgência em reformular as narrativas sobre desigualdades sociais, pois no Distrito Federal, elas têm cor, a cor negra; têm Gênero, o feminino! E se ela caminha, come e trabalha, ela caminha na catação, se alimenta na mesa das muitas Marias catadoras da cidade Estrutural e trabalha no descarte da sociedade consumista. O 8 de março para elas, segue sendo dia de catar. Recicle seu lixo!
>>> Veja fotos da Exposição Eu Catador, com fotografias de catadores de material reciclável que atuavam no lixão da Estrutural (DF). As fotos foram feitas pelos próprios catadores, com curadoria do fotógrafo brasiliense Kazuo Okubo. A exposição teve patrocínio do Inesc e Fundação Banco do Brasil.
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