A África do Sul de 1960 e o Brasil de 2018: processo genocida em curso

21/03/2018, às 15:23 (atualizado em 16/03/2019, às 22:37) | Tempo estimado de leitura: 5 min
A educadora Layla Maryzandra, do Inesc, escreve sobre a origem do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial e o contexto atual

Por Layla Maryzandra, educadora social do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Manhã de 21 de março 1960, cidade de Sharpeville, a África do Sul.  Pelo menos 20 mil negros sul-africanos foram brutalmente atacados pela tropa do Exército durante uma manifestação pacífica contra a Lei do Passe, que limitava o trânsito de negros por determinados lugares, obrigando-os a andar com uma caderneta na qual estavam delimitados os locais por onde tinham permissão de circular.

O resultado de um dos maiores massacres do regime do Apartheid naquele país, junto ao que ocorreu no Levante de Soweto em 1976, foi 69 mortos e cerca de 180 feridos. O caso ficou conhecido como o Massacre de Sharpeville e, como tantos outros atos de violência que ocorreram no país, estava regulamentado por políticas de segregação racial vigentes no regime que durou 44 anos (1948 – 1994), e começou quando o Partido Nacional ascendeu ao poder, com um  governo composto, em sua maioria, por brancos.

O Massacre de Sharpeville fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU), proclamasse o 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em memória das vítimas e acentuando a condenação do racismo aonde quer que ele exista.

É notório que o Atlântico Negro, seja nas Américas ou no Continente Africano, foi calcado por massacres históricos que tinham como objetivo o extermínio da população colonizada/governada por uma minoria que mantém o poder.

Intelectuais e ativistas ligados ao movimento negro defendem que ainda está em curso um processo de genocídio negro no Brasil. Abdias Nascimento, em seu livro Genocídio do Negro Brasileiro (1976), relata a forma mascarada de como funciona o racismo neste país, que muito se assemelha a um apartheid maquiado. Na conclusão do texto ele cita: “hoje estamos na rua numa campanha de denúncia! Campanha contra a discriminação racial, contra a opressão policial (…). Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições de vida da Comunidade Negra (…)”.

Essa frase me traz à memória os mesmos gritos de denúncia ouvidos entre os dias 13 a 17 de março deste ano, nas marchas ocorridas no Fórum Social Mundial em Salvador, em destaque a Marcha das Mulheres Negras e a Marcha em memória da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, que foram executados no centro do Rio de Janeiro, em 15 de março.

Os dados do Mapa da Violência de 2015 e do Dossiê Mulher do mesmo ano, também engrossam o coro desse tipo de denúncia. Nas últimas décadas houve um crescimento da violência letal – tanto contra a juventude negra, que aumentou mais de 30%, como em relação às mulheres negras, chegando a cerca de 54%. Esses dados caracterizam os atos de violência como crimes de genocídio.

No atual contexto em que o país se encontra, o dia Internacional Contra a Discriminação Racial é marcado por manifestações que eclodem contra a falta de reparação histórica do Estado brasileiro, o contínuo genocídio que nos acomete, e contra a avalanche de retrocessos de direitos, seja nas pautas de gênero, raça ou classe. É possível observar o mesmo cenário em vários países.

Em suma, é perceptível que o racismo se instrumentaliza de forma bem engendrada e que a violência e intimidação policial é um braço forte que nos aniquila, seja nos massacres da África do Sul, nos Estados Unidos, no Brasil, ou em qualquer lugar aonde o racismo ainda atue de forma latente.

Sigamos então resistentes em nossas marchas, ressignificando nossas lutas, e parafraseando Abdias de Nascimento: se ele se reconhece como um sobrevivente da República de Palmares, também nos reconhecemos, na perspectiva da diáspora, como sobreviventes de Sharpeville.

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Categoria: Artigo
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