Por Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Recentemente, a reitoria da Universidade de Brasília (UnB) expôs publicamente a difícil situação financeira na qual a instituição se encontra. Na esteira da crise econômica e política atual e o consequente regime fiscal – que tem na Emenda Constitucional 95 sua medida mais extrema – o caso da UnB não é isolado e pede uma análise mais detalhada sobre o orçamento público destinado ao ensino superior.
Geralmente, o que acontece é que as despesas executadas pelo governo são menores dos que os recursos aprovados na Lei Orçamentária Anual. Por exemplo, em 2015, o montante executado relativo ao ensino superior ficou abaixo dos R$ 40 bilhões aprovados. Ao longo dos anos, essa “inexecução orçamentária” tem aumentado – o que nos leva a crer que um valor ainda menor será executado em 2018.
Soma-se a essa situação o fato de que, neste ano, o recurso autorizado para o financiamento do ensino superior foi de apenas R$38 milhões. As receitas destinadas à garantia de bolsas de estudo seguem a mesma tendência de queda, como mostra o gráfico abaixo.
O caso da UnB é ilustrativo desse quadro de contingenciamento de gastos: a universidade recebeu o mesmo recurso (R$ 1,3 bilhão[1]) entre 2015 e 2018, a despeito da ampliação dos custos neste período. Vejamos o histórico da Universidade em números:
Entre 2006 e 2016, a quantidade de cursos saltou de 63 para 155, sendo que chegou a 161 em 2013 e, de lá para cá, vem sofrendo pequenas quedas. Em 2006, as vagas anuais eram de 4.921 e, em 2016, chegaram a 8.424 – ou seja, em 10 anos, as vagas praticamente dobraram. O motivo dessa ampliação foi um programa chamado REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) que expandiu campus, vagas, bolsas, cursos de pós-graduação, programas de cotas, ampliando a população negra, não só na UnB, mas em todo o Brasil.
Outro dado é importante de se conhecer: em três décadas, o número de concluintes na UnB saltou de 15.462 (de 1988 a 1997), para 51.200 (de 2008 e 2016) – mais que o triplo. No entanto, com a retração drástica de recursos, provavelmente, esse avanço não se repetirá, mesmo com o aumento na demanda por vagas nos próximos anos. A instituição anuncia um déficit orçamentário de R$ 92,3 milhões para este ano e as previsões são catastróficas para os próximos meses: demissões e aumento do preço da refeição no restaurante universitário são algumas das medidas anunciadas para garantir o funcionamento da universidade.
Assim como as universidades, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) também tiveram cortes de orçamento. Considerados uma das boas novidades dos últimos anos na área da educação, os IFs sofreram queda de 14% no investimento este ano, de acordo com o Ministério da Educação (MEC).
Além das graves consequências dos cortes orçamentários para o ensino superior, percebe-se que as demais metas do Plano Nacional de Educação (PNE) não serão cumpridas. A ampliação do número de creches, por exemplo, ficará na saudade, já que a manutenção dos recursos em patamares tão baixos não permitirá investimento para suprir a enorme demanda. Outra meta que não será cumprida é a ampliação do investimento geral em educação, tendo em vista os enormes desafios que ainda temos, como a implantação do valor do CAQi (custo/ aluno qualidade, inicial) previsto também no PNE, que ampliaria o custo aluno/ano no Fundeb, de acordo com a etapa escolar cursada.
Para termos uma ideia do que está sendo discutido pelas forças políticas do pós-golpe no tema da Educação, basta lermos o relatório apresentado em novembro de 2017 pelo Banco Mundial, a pedido do governo brasileiro.
Com relação ao ensino superior, ele nos dá várias pistas que em alguma medida explica a retirada de recursos. Há uma comparação rasteira entre universidades públicas e privadas, afirmando que o custo/aluno nas privadas é bem mais baixo que nas públicas, mas sem explicar que as universidades públicas fazem extensão e pesquisa, e possuem ensino de melhor qualidade.
Aliás, até admitem a maior qualidade do ensino quando dizem que os estudantes das públicas se saem melhor nos exames padrões que os das privadas. Mas esquecem de dizer que há um acúmulo anterior que vem da qualidade da educação básica e das condições de vida de cada um e do grupo. Em geral, nas universidades privadas estudam maior número de pessoas vindas do ensino público, de responsabilidade do Estado, que deveria ser de qualidade, mas não é.
O relatório afirma que a educação básica é progressiva e o ensino superior público é regressivo, pois privilegia um grupo com melhor renda e oportunidades, manipulando o argumento em favor da privatização do ensino – que é o que querem e defendem ao encomendar um relatório dessa natureza. Mas não apresentam a solução que de fato contribuiria para a redução das desigualdades: maior qualidade para a educação básica, incluindo todos e todas no ensino superior público, que por seu lado, deveria oferecer mais vagas, especialmente para o público das políticas de cotas e para pessoas oriundas de escolas públicas.
Estamos atravessando um momento difícil de defesa de direitos, não apenas na ausência de recursos orçamentários necessários, mas na ausência de espaços democráticos de diálogo e mobilização. E fala-se muito da agenda 2030 e seus “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, que não são nem um pouco ambiciosos e até rebaixam o patamar de nossas lutas por direitos humanos, mas, provavelmente, com esse cenário, o objetivo 4, que diz respeito à educação de qualidade, dificilmente será alcançado.
[1] Dados disponíveis no Siga Brasil referente aos recursos federais destinados à UnB