Pedido global por mais transparência em saúde

25/06/2019, às 15:39 | Tempo estimado de leitura: 8 min
Por Luiza Pinheiro, assessora política do Inesc
Países aprovam resolução inédita sobre transparência nos preços de medicamentos
Pedido global por mais transparência em saúde

Dentre os vários tópicos debatidos durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS), que aconteceu em maio, em Genebra, um dos mais controversos foi sobre transparência. Apesar de toda a polêmica, uma resolução que pedia mais clareza no mercado de medicamentos, vacinas e outras tecnologias em saúde foi aprovada e considerada um avanço pelas organizações da sociedade civil.

A resolução foi proposta inicialmente por Itália, Grécia, Malásia, Portugal, Sérvia, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Turquia e Uganda, e outros países somaram seu apoio ao longo das negociações, incluindo o Brasil. Realizada anualmente, a AMS é o órgão decisório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e conta com a participação de delegações de todos os países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU).

A decisão inédita dos países surge devido a um dos principais problemas globais em saúde atualmente: o alto preço dos medicamentos. Os gastos com saúde são centrais em qualquer país, devido a seu grande volume e ao vasto número de necessidades que precisam ser atendidas. Os medicamentos são um componente significativo deste gasto, e o preço elevado vem colocando os orçamentos, inclusive dos países de renda mais alta, em situação crítica.

Nem sempre os preços pagos pelos ministérios da Saúde e os praticados pela indústria são disponibilizados de forma clara. Além disso, a indústria adota diferentes preços entre os países, sendo criticada por não considerar a discrepância de renda entre eles. Ademais, o preço varia na medida em que o produto passa pelas etapas da cadeia produtiva, da empresa produtora até chegar ao paciente, passando por distribuidoras e farmácias. A transparência com relação aos diferentes preços, e a disponibilidade de informação que permita realizar comparações entre as etapas e países, pode facilitar o acesso aos produtos em saúde, ao estimular mercados globais funcionais e competitivos.

Negociação complicada

O processo de negociação da resolução foi longo e conturbado. O texto inicial foi proposto pelo ministro da Saúde italiano em fevereiro e, em abril, recebeu apoio de diversos países para entrar na pauta da AMS. Inicialmente, ele incluía medidas concretas e avançadas para maior transparência relativa a quatro pontos: custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), resultados de ensaios clínicos, patentes de medicamentos e preços.

No entanto, recebeu grande oposição de países com forte presença da indústria farmacêutica, em especial Alemanha e Reino Unido, que propuseram diversas alterações visando diluir seu conteúdo.  A discussão em plenário da resolução foi adiada até o último dia da Assembleia, em 28 de maio, e quase foi transferida para 2020.

As organizações do movimento por acesso a medicamentos acompanharam o processo de perto, lançando no início de maio uma carta aberta que alertava para a tentativa de alguns países de desandar os avanços para maior transparência. No documento, os delegados eram convocados “a defender uma resolução que seja eficaz em capacitar os governos e o público a ter maior transparência e acesso mais igualitário à informação, a fim de ter maior poder em lidar com a crise no preço das tecnologias médicas”. As assinaturas de mais de cem grupos e indivíduos mostram a importância do tema e do apoio existente. A sociedade civil desempenhou papel importante nas negociações.

Um dos principais avanços da resolução foi a concordância de que os Estados membros devem tomar medidas apropriadas para compartilhar publicamente informações sobre preços. Todavia, em relação à divulgação de custos e resultados de ensaios clínicos, foi adotada uma linguagem que reforça sua natureza voluntária.

De acordo com declaração do Médicos Sem Fronteiras, a resolução é um primeiro passo bem-vindo para corrigir o desequilíbrio de poder que existe hoje durante as negociações entre os compradores e vendedores de medicamentos, dando aos governos as informações de que precisam para negociar de maneira justa e responsável pela saúde de seus povos. No entanto, apesar de ser o resultado de uma mobilização histórica, a resolução não é suficiente. É necessário saber a margem de lucro das empresas, os custos de produção e dos testes clínicos, quanto investimento é realmente aplicado pelas empresas e quanto é financiado pelos contribuintes e grupos sem fins lucrativos, que não são abordados.

A mobilização da sociedade civil e o engajamento nas redes foi tão intensa que incomodou alguns países, que solicitaram que a OMS revise suas regras para o envolvimento de ONGs e de outros “atores não-estatais” em reuniões públicas.

Transparência também a nível nacional

A transparência é fundamental para maior eficiência e responsabilidade (accountability) na execução das políticas públicas. Assim, a discussão sobre este tema nos fóruns globais reverbera também à nível nacional. Por exemplo, o estudo do Inesc sobre a execução orçamentária do Ministério da Saúde brasileiro mostrou um crescimento contínuo dos gastos com medicamentos nos últimos anos.

De acordo com o estudo, entre 2008 e 2015, o Orçamento Federal do Acesso a Medicamentos no Brasil (OTMED) aumentou 64,9% em termos reais, uma elevação muito superior à observada no orçamento da Saúde, de 36,7% no mesmo período. Assim, a participação percentual do OTMED no orçamento do Ministério da Saúde, que passou de 11,6% para 14,6% no mesmo período, se aproximava da média calculada para os países de renda média-alta, que é da ordem de 15%.

Além disto, os gastos tributários com medicamentos e produtos químicos e farmacêuticos passaram, em termos reais, de R$ 6,17 bilhões em 2014 para R$ 7,63 bilhões em 2015, um aumento real da ordem de 23,5%.

Transparência é o ponto central para saber se esses incentivos se convertem em benefícios para a população.  Jogar luz sobre o mercado de medicamentos e dos preços praticados em compras públicas também é imprescindível para garantir a eficiência e controle social destes gastos.

Categoria: Artigo
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