Por Yuriê Baptista, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Ao menos na área de mobilidade urbana, o atual Governo do Distrito Federal, denominado pelo seu gestor como Governo de Brasília, se mostrou incapaz de executar o planejamento que ele próprio elaborou quando assumiu em 2015.
Durante a campanha eleitoral, o então candidato Rodrigo Rollemberg fez diversas promessas relacionadas à mobilidade urbana, a maioria destinada a melhorar o transporte público. A julgar pelos compromissos assumidos naquela época pelo governador, cuja gestão encerra este ano, o brasiliense deveria ter: VLT do aeroporto até o final da W3 norte; novas estações do metrô na Asa Sul, Ceilândia e Samambaia, e ampliá-lo até a Asa Norte; bilhete único implantado no primeiro ano de gestão; um transporte público de melhor qualidade e uma tarifa que coubesse no bolso do contribuinte.
Todas essas promessas foram embasadas no diagnóstico da mobilidade urbana do DF que constava no programa de governo do candidato, onde se lia que o padrão de mobilidade adotado “dá claros sinais de esgotamento e tem significativos impactos negativos sobre o clima e a qualidade do ar”. O programa ainda afirmava que “é obrigação do poder público oferecer, direta ou indiretamente, alternativas ao automóvel, como calçadas e ciclovias conectadas e de qualidade, transporte coletivo eficiente, com o uso integrado de ônibus, metrô e trens urbanos e metropolitanos, a fim de avançar na transição para a economia de baixo carbono também no setor de transportes”.
Além disso, Rollemberg foi um dos candidatos que assinou as cartas-compromisso elaboradas pelo Movimento Nossa Brasília e outras organizações da sociedade civil, que cobram uma mobilidade urbana mais centrada nas pessoas, dando prioridade aos pedestres, bicicletas e ao transporte público, reduzindo as viagens realizadas em automóveis e motos, com integração do transporte público e redução da tarifa. Contudo, a realidade se mostrou completamente diferente do que foi prometido e, inclusive, planejado.
Planejamento
O Plano Plurianual (PPA), que foi elaborado em 2015 e é válido entre 2016 e 2019, dialoga com as propostas apresentadas durante a campanha e no programa de governo, e ainda traz a reflexão de que é necessário ter soluções diferentes daquelas repetidas nos últimos anos, que não se mostraram eficazes. Da mesma forma, reconhece a necessidade de uma “tarifa justa” no transporte público coletivo, que deve ser priorizado.
Vale lembrar que, ao contrário das promessas na campanha e do plano de governo, o PPA é elaborado no primeiro ano de gestão, ou seja, já com total domínio da máquina pública, permitindo que as promessas sejam adequadas a real capacidade do governo.
O PPA define cinco objetivos específicos para o programa Mobilidade Integrada e Sustentável, a saber: 1) Promover a atratividade do Transporte Coletivo por meio da integração física, operacional e tarifária; 2) Promover o transporte não-motorizado; 3) Promover a Segurança e Fluidez Viária; 4) Instalar o Brasília nos Trilhos; e 5) Fortalecer o planejamento, gestão, regulação e fiscalização do transporte público.
Estes objetivos juntos possuem 87 ações orçamentárias e 14 não-orçamentárias. O objetivo 3, ligado ao rodoviarismo, é o que mais possui ações orçamentárias definidas, num exemplo claro de que, apesar do PPA apresentar uma análise correta sobre a necessidade de inovar nas soluções, continua apostando no velho modelo de mobilidade.
Do total das ações orçamentárias do programa, 23 dizem respeito ao transporte público, 20 aos automóveis, três à bicicleta, quatro à caminhada, duas à acessibilidade, seis à manutenção da frota de veículos do governo, quatro à educação de trânsito, três à fiscalização e 68 à gestão das secretarias e órgãos do GDF (algumas ações dizem respeito a mais de uma destas categorias).
Execução
Outros dois instrumentos orçamentárias são importantes para o planejamento e execução das ações do governo: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Funciona assim: o PPA define todas as ações que serão realizadas no período de quatro anos, já a LDO define quais destas ações são prioritárias em cada um dos anos e, por fim, a LOA distribui o recurso entre as ações.
Aparentemente, a LDO foi completamente negligenciada, ao menos na área de mobilidade. Quase nada do orçamento destinado na LOA às prioridades foi executado. Das prioridades definidas em 2016, em dois terços delas nada aconteceu, nenhum centavo foi gasto. Já em 2017, mais da metade delas não aconteceram, como mostra a tabela abaixo:
Distrito Federal
Execução Orçamentária das Ações de Mobilidade Urbana 2016-2017
Prioridades da LDO | 2016 | 2017 |
Orçamento executado | 8,3% | 16,4% |
Quantidade de ações | 16 | 19 |
Quantidade de ações não executadas | 10 | 10 |
Para analisar a execução orçamentária da mobilidade urbana, classificamos cada uma das despesas realizadas em 2016 e 2017 de acordo com seu principal foco:
Na comparação entre os dois anos, as despesas de mobilidade tiveram uma redução de 10% em termos nominais. Apenas as despesas com mobilidade ativa e fiscalização tiveram aumento no período. Porém, estas categorias representam somente 2,94% do orçamento de 2017.
De maneira geral, fazendo uma média com a distribuição dos gastos com mobilidade nos dois anos, é possível dizer que o orçamento é dividido em gestão (48,99%) e transporte público (43,9%). Depois as ações voltadas ao automóvel (4,29%), fiscalização (2,08%), educação (0,39%) e mobilidade ativa (0,26%) completam a distribuição das despesas.
Apesar da categoria transporte público receber a maior parte dos recursos, é importante destacar que as despesas se concentraram nos gastos diretamente ligados ao subsídio da alta tarifa do DF, representando 71,1% em 2016 e 66,9% dos gastos em 2017. Os demais custos ligados ao transporte público dizem respeito à manutenção e investimento. Ou seja, se gasta mais para manter o sistema funcionando como está – de forma excludente a acentuando as desigualdades – do que para ampliar a sua capacidade e qualidade, como tinha sido prometido.
Somente a construção do Trevo de Triagem Norte, obra que expressa toda a lógica rodoviarista e ultrapassada deste governo, equivale a 35,1% das despesas ligadas aos automóveis em 2017, ou 3,6 vezes mais do que o que foi investido na mobilidade por bicicleta e a pé.
Em 2017, as despesas de mobilidade ativa foram duplicadas, sendo que a bicicleta recebeu uma atenção especial: 56% dos recursos destinados ao setor. A mobilidade a pé manteve um recurso constante nos dois anos, destinados principalmente à construção de calçadas. Enquanto a acessibilidade, graças aos investimentos para garantir a acessibilidade do Metrô, teve suas despesas quadruplicadas no período. Contudo, mesmo com aumento, a mobilidade ativa recebeu apenas 0,35% dos investimentos em mobilidade em 2017 – muito pouco para o governo que pretendia inverter a lógica da mobilidade.
O montante utilizado para educação no trânsito caiu pela metade no período, enquanto isso, o da fiscalização aumentou em 50%. Educação e fiscalização devem caminhar juntas, o que claramente não aconteceu.
Esse levantamento demonstra o quanto o governo liderado pelo governador Rollemberg não foi capaz de cumprir com praticamente nada do que prometeu, tanto na campanha quanto no planejamento anunciado no início do mandato. O transporte público, que de acordo com todas as promessas seria transformado, continuou servindo à reprodução das desigualdades. Com o agravante de que a promessa de reduzir a tarifa de forma a caber no bolso dos usuários não ocorreu, pelo contrário: os dois reajustes praticados pelo Executivo Distrital resultaram em 75% de aumento no preço da tarifa.
A mobilidade ativa, muito ligada às ideias inovadoras, foi deixada de lado. Com um investimento pífio e secretarias que não conversam entre si, os projetos voltados para a bicicleta e ao pedestre ficaram limitados. Foram realizadas pequenas intervenções isoladas que não foram capazes de mudar a lógica rodoviarista do DF.
Muito mais do que prometer e fazer um discurso bonito, é necessário que os gestores de fato realizem o que prometeram entregar. Em uma das cartas compromisso que o governador assinou, ele se comprometeu a elaborar um programa com indicadores e metas quantitativas, que deveria ser apresentado ao final do terceiro mês de cada ano. Mais compromissos assumidos que não foram cumpridos e que, caso o fossem, iriam contribuir para uma verdadeira transformação do Distrito Federal, com soluções inovadoras.