No final do mês de agosto, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promoveu um dia de atividades com familiares de adolescentes que cumprem medida socioeducativa. O objetivo foi propiciar um ambiente de acolhimento para aquelas (es) que sempre cuidam, a maioria mães.
O encontro aconteceu no Espaço Cultural Palco, no Varjão (DF), e reuniu 25 pessoas. Foram ofertadas atividades com a abordagem da pedagogia Griô, terapias, massagens, beleza negra (com trançadeira), cirandas, brincadeiras e muita dança. Ao final, cada familiar pôde escrever cartas para seus filhos, sobrinhos e primos que ainda estão cumprindo a medida socioeducativa em meio fechado.
Além das atividades com as famílias, o encontro – realizado no âmbito do projeto Vozes da Cidadania, uma iniciativa do Inesc que promove atividades formativas nas Unidades de Internação – contou com a preciosa participação de jovens egressos e egressas.
O cuidado, a escuta e o olhar para os familiares da socioeducação são importantes para romper com o ciclo de culpabilização de mão única, afirma Thaywane, psicóloga e educadora do projeto Vozes da Cidadania. “Por vezes, a família não é vista como aliada do processo socioeducativo. No fazer socioeducativo, a família é acionada meramente para compor avaliações ou trazer informações acerca do jovem em cumprimento de medida socioeducativa”, afirmou.
Thaywane conta que não é fácil ter um parente na restrição de liberdade. “O adolescente não está preso sozinho. A família também se encontra emaranhada nessa rede do encarceramento”, disse a educadora.
Privação em massa
A realidade de profundas desigualdades e uma organização social com base na exploração de corpos negros e periféricos amplia a incidência da violência na vida dessas famílias. Esse contexto, portanto, deve ser lido com mais profundidade, como uma questão de toda a sociedade e do Estado.
“Errou sim, mas vamos saber o porquê o adolescente errou? Vamos saber a trajetória da vida dele, por que aconteceu isso?” questionou a tia de um dos adolescentes do projeto. “Muitas vezes a família não tem apoio”, contou a familiar. Ela defende que as famílias também fazem parte desse processo de reeducação dos adolescentes.
É muito comum relatos de noites mal dormidas, nervosismo, angústia e medo durante o período de cumprimento da medida socioeducativa de internação pelos familiares. “Oportunizar e criar espaço de cuidado a essas pessoas é fortalecer a resistência desses corpos, é denunciar o descaso tão naturalizado para com esse grupo”, afirmou a educadora do Inesc Dyarley Viana, pedagoga que conduziu o encontro.
Dyarley conta que “esses familiares, em grande maioria, são mulheres negras. Para além da questão de gênero, esses familiares têm corpos periféricos”. Ela diz que reconectar, reconhecer e abrir espaço para a humanidade desse grupo é fundamental. “O cuidado nutrido nesses encontros chega nos adolescentes”, acredita.
“Amei estar aqui”, disse uma mãe. “Era o que eu precisava”, “vou começar a ver mais meu filho” disseram outras durante o encontro.
Afeto diferencial
Márcia Acioli, assessora política do Inesc, acredita que o afeto é uma dimensão essencial nas relações sociais. “O cuidado como exercício coletivo proporciona o fortalecimento de redes e é essencial para mudanças culturais tão necessárias para uma sociedade mais justa”, diz a assessora.
O projeto Vozes da Cidadania é vinculado à iniciativa ONDA – Adolescentes em Movimento Pelos Direitos, do Inesc, e trabalha formação política e cidadã com os adolescentes da socioeducação. A proposta inclui as famílias por serem importantes referências para os/as adolescentes e que, uma vez fortalecidas, podem ajudar.
“O foco não se restringe ao mero cumprimento da medida, mas preocupa-se com o que vem depois. Cuidar dessas famílias é preparar o solo para que adolescentes tenham acolhida, possibilidade de ser e sonhar. Cuidar da família não é cuidar só de pessoas, é cuidar do mundo” acredita Thaywane.
“Fortalecer quem está ‘livre’ e tem em sua liberdade o exercício de construir horizontes de esperança com quem está preso é calçar pés desnudos de justiça social e acolher em cuidado seus rastros e passos pela liberdade dos seus”, explica Dyarley.
Diante de tanta beleza e potência, os passos coletivos fortaleceram não só as mães e familiares, mas a equipe inteira do projeto que também tece a rede que ampara e dá suporte à construção da tão ansiada justiça social.