Credibilidade orçamentária no Brasil

23/09/2019, às 11:32 | Tempo estimado de leitura: 11 min
Por Carmela Zigoni, assessora política do Inesc
Inesc participou de estudo internacional sobre credibilidade orçamentária, considerando especificamente o programa Políticas para as Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência

Em 2018, o International Budget Partnership (IBP) promoveu estudo sobre credibilidade do orçamento, realizado em parceria com 24 organizações da sociedade civil em 23 países, entre outubro de 2018 e janeiro de 2019. Desafios de credibilidade orçamentária surgem em todo o mundo, em uma ampla gama de setores e programas, e impactam a transparência das contas públicas. Dado o grau em que as mudanças no orçamento podem afetar as principais prioridades sociais em saúde, educação e além, é essencial que os governos comuniquem à sociedade informações confiáveis.

Cada organização parceira identificou um desafio de credibilidade orçamentária em seu país e analisou um caso em que o governo não conseguiu garantir receitas que estavam previstas no início do ano fiscal, ou que as metas previstas nas políticas públicas não eram viáveis pelo que foi programado pelo governo, ou ainda, casos de baixa execução de orçamento garantido para o qual não havia explicação oficial do governo. Os parceiros procuraram explicações para as alterações no orçamento em documentos publicados e depois procuraram realizar entrevistas com funcionários públicos. Embora as descobertas do estudo mostrem que a maioria dos governos não publica explicações adequadas para mudanças orçamentárias, elas também sugerem que isso é possível e relativamente fácil.

Brasil:

O Inesc[i] participou do estudo com o tema do orçamento público para as mulheres no Brasil, considerando especificamente o programa Políticas para as Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento a Violência, no período de 2013 a 2017. Foram analisados os seguintes documentos oficiais:

  • Plano Pluri-Anual (PPA) 2016-2019
  • Lei Orçamentária Anual (LOA)
  • Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, elaborado pelo Tesouro Nacional
  • Relatório de Gestão da Secretaria de Políticas para as Mulheres
  • Relatório Anual de Prestação de Contas da Presidência da República, divulgado pela Controladoria Geral da União (CGU)

Onde estão as explicações para mudanças no orçamento?

Nenhum desses relatórios explicou por que esse programa específico teve baixa execução orçamentária ou as razões para o contingenciamento de recursos. No entanto, o Relatório Anual de Prestação de Contas da Presidência da República fornece algumas explicações gerais sobre por que as mudanças orçamentárias foram feitas. Por exemplo, em 2013 o referido relatório afirma que ajustes foram feitos com “o objetivo de evitar perdas para o desenvolvimento das ações prioritárias do governo, sem, no entanto, comprometer as metas fiscais”.

O governo concordou em ser entrevistado?

Parcialmente. Os pedidos de entrevista foram enviados ao Departamento de Políticas para as Mulheres e ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, mas eles não foram respondidos. Foram feitos pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo E-sic ao Ministério dos Direitos Humanos, que inclui o programa das mulheres, e o Ministério do Planejamento. O primeiro afirmou que os recursos foram cortados do programa porque o Departamento de Políticas para as Mulheres passou por reformulação interna, que impactou a gestão. O segundo reafirmou a autoridade legal do governo para modificar o orçamento, sem dar uma explicação do motivo pelo qual foram feitas alterações específicas.

As razões de mudanças no orçamento durante o ano fiscal, apresentadas pelo governo, são adequadas?

Os tipos de justificativas apresentados em documentos oficiais são gerais e não podem explicar mudanças no nível do programa. Por exemplo, as explicações oficiais enfatizam os ajustes no orçamento geral para atingir as metas fiscais sem comprometer as ações prioritárias, mas não explicam quaisquer compensações específicas feitas. Entrevistas com funcionários renderam apenas argumentos genéricos. Nem o Ministério do Planejamento nem o Departamento de Políticas para Mulheres assumiriam a responsabilidade pelos cortes em itens específicos dentro do orçamento da Secretaria. No entanto, a evidência mostra que escolhas estão sendo feitas: com efeito, nem todos os programas estão em declínio e alguns até estão melhorando sua execução ao longo do período. Em 2013, a Assistência às Mulheres em Situação de Violência executou 52,6% de sua alocação e, em 2017, apenas 26,4%, mas, no mesmo período, o Serviço de Atendimento à Mulher passou de um patamar de 52,6% de execução para 79,5%. Nenhum dos argumentos apresentados pode explicar esses padrões. Importante sinalizar que a legislação[1] que rege os decretos de programação não exige a apresentação de motivações no seu conteúdo.

Sobre o contingenciamento

Para atender à Lei de Responsabilidade Fiscal[2], o orçamento sofre ajustes durante a execução orçamentária anual por meio dos Decretos de Programação Orçamentária, um instrumento pelo qual o Governo autoriza o desembolso mensal de despesas, com exceção dos gastos com Pessoal e Encargos Sociais, Juros e Encargos da Dívida Pública e Operações de Crédito, além de algumas outras despesas muito específicas e de diminuta dimensão (como gastos de recursos provenientes de convênios com instituições multilaterais). De acordo com a legislação orçamentária[3] essa programação de desembolso ajusta o ritmo de execuções financeiras ao fluxo de arrecadação durante o ano, sendo acompanhada de avaliação periódica da receita.

Durante os cinco anos analisados, esses decretos apresentam impactos bastante relevantes para os órgãos responsáveis pelas políticas voltadas para as mulheres. A Tabela 1 expõe como os decretos de programação orçamentária alteraram, por meio do Limite de Movimentação e Empenho dos órgãos[4], a autorização de despesas da dotação inicial, elaborada pelo próprio Governo. Nos três primeiros anos, os dados se referem à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM), com status de Ministério. Com a fusão de pastas, a SPM passou a integrar o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos em 2016, e em 2017 se tornou um setor dentro do Ministério da Justiça e Cidadania. Desse modo, se tornou inviável identificar o contingenciamento específico para a política de mulheres, uma vez que os decretos incidem somente sobre os montantes dos Ministérios: se os cortes fossem realizados por programa orçamentário, seria mais transparente inclusive em casos de mudança na estrutura da política pública. Também nesses dois últimos anos, os decretos não apresentaram a dotação inicial dos valores a que se referem discriminados entre despesas obrigatórias e discricionárias.

A relação entre o orçamento autorizado e a reprogramação orçamentária realizada por decreto em relação às metas físicas é muito frágil. Analisamos dois Relatórios de Avaliação do PPA para este estudo, aquele com ano base 2014[5], e aquele com ano base 2017[6]. No relatório ano base 2014, há uma descrição sobre as metas alcançadas naquele ano[7] como por exemplo entrega da primeira Casa da Mulher Brasileira[8] e de ampliação da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência[9], mas estas informações não são apresentadas com dados orçamentários de dotação autorizada ou reprogramação por decreto. Ou seja, o custo da política não está transparente em relação a suas metas físicas.

*Após o fim da pesquisa, o Inesc realizou incidência junto ao Portal Siga Brasil para que disponibilizasse os dados do contingenciamento por programa e ação. O Portal disponibilizou a informação entre os anos 2017 e 2019, o que impacta positivamente a credibilidade do orçamento

Restos a Pagar

Os restos a pagar representam parte importante da execução financeira em algumas áreas, como ocorre nas políticas para mulheres, bem como experimenta níveis baixos de execução em diversos anos – ainda que neste caso, seja uma execução em média maior em termos absolutos que a do recurso da LOA –, conforme apresenta a Tabela 2.

Para mais informações, acesse:

>>> O detalhamento da pesquisa 

>>> Informações por país

>>> Resumo Executivo Brasil

 

[1] Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964; Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967.

[2] Lei Complementar nº 101, de 2000.

[3] Decreto-Lei n. 200/1967; Lei n. 101/2000.

[4] De acordo com a legislação orçamentária (LCP 101/2000), os decretos de programação não incidem sobre despesas com pessoal e encargos sociais, despesas financeiras, e despesas de recursos provenientes de doações e convênios.

[5] http://www.planejamento.gov.br/assuntos/planeja/plano-plurianual/ppas-anteriores

[6] http://www.planejamento.gov.br/noticias/abertura-do-monitoramento-tematico-do-ppa-2017

[7] Sumário Executivo, página 61.

[8] Meta PPA 2012-2015: 25 casas construídas.

[9] O relatório fala em 497 delegacias especializadas, mas não existe meta numérica nem linha de base para esta ação no PPA 2012-2015, apenas meta de ampliação da rede.

[i] Pesquisadores responsáveis no Inesc: Nathalie Beghin (Coordenação), Carmela Zigoni e Matheus Magalhães.

Categoria: Notícia
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