Líderes do Brics ignoram desigualdade de gênero

14/11/2019, às 17:08 (atualizado em 14/11/2019, às 17:15) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc
De acordo com ranking, países do Brics não estão entre os mais iguais do mundo em termos de gênero. Dirigentes conservadores do bloco não consideram esse tema relevante
Presidente da Rússia, Vladimir Putin; primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi; presidente da China, Xi Jinping; e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa. Foto: Alan Santos/PR

A foto oficial dos presidentes dos Brics para a 11ª Cúpula do bloco, realizada em Brasília nos dias 13 e 14 de novembro, é emblemática do machismo que predomina em nossos países. Não que seja muito melhor no resto do mundo. Segundo a ONU Mulheres, em junho de 2019, somente 11 mulheres eram Chefe de Estado e 12, Chefe de Governo.

Anualmente o Fórum Econômico Mundial lança o Índice de Desigualdade de Gênero. Este instrumento é construído a partir de 14 indicadores agrupados em quatro categorias: participação econômica e oportunidades, educação, saúde e empoderamento político. Para a edição de 2018, a última disponível, foram analisados 149 países. O índice varia de 0 – desigualdade total – a 1 – igualdade total.

Conforme pode ser observado nas tabelas 1 e 2, no geral, os países do Brics não estão entre os mais iguais do mundo em termos de gênero. A melhor posição é da África do Sul, que ocupa o 19º lugar. Isso se deve essencialmente aos quesitos de saúde e de empoderamento político, pois, em geral, as mulheres estão presentes no Executivo e no Legislativo. Ainda é preciso melhorar as dimensões de mercado de trabalho e de educação.

Em seguida vem a Rússia, situada no 75º lugar, dentre os 149 países pesquisados. O país apresenta péssimo desempenho, o pior do bloco, no que diz respeito ao empoderamento político das mulheres: elas são poucas no Parlamento e na liderança de ministérios. Mas está bem situado na área de saúde e relativamente bem nas áreas de educação e mercado de trabalho.

O Brasil, apesar de apresentar resultados positivos nos campos da saúde e da educação, não vai bem no que diz respeito ao mercado de trabalho e nos envergonha no tocante ao empoderamento das mulheres, ocupando posição próxima da Rússia. Em estudos sobre o perfil dos congressistas federais, o Inesc mostrou que menos de 15% são parlamentares mulheres.

Índia e China estão na rabeira, especialmente devido aos itens de saúde, educação e mercado de trabalho. No caso da China, o pior desempenho é o de saúde, posicionando o país no último lugar do ranking nesse quesito. Isso se deve essencialmente ao fato de haver mais homens vivendo mais tempo, pois nascem mais numerosos e estão menos submetidos à violência, doenças e desnutrição, entre outros fatores. Em termos educacionais, a China também não vai bem, em decorrência do maior analfabetismo entre mulheres do que homens.

Quanto à Índia, os principais problemas são os de saúde e mercado de trabalho. Nessas duas áreas, as diferenças entre homens e mulheres são abissais, posicionando o país no fim da fila.

Trabalho não remunerado

Informações de organizações internacionais corroboram as enormes desigualdades de gênero que prevalecem nos Brics. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todos os países do bloco, as mulheres que vivem com crianças com menos de seis anos têm as menores taxas de emprego, em comparação não apenas com pais na mesma situação, mas também com homens e mulheres sem filhos ou com mais de seis anos.

E mais: de uma maneira geral, as mulheres gastam, no mínimo, duas vezes e meia mais horas do que os homens em trabalhos domésticos e de cuidados não remunerados. Estimativas das Nações Unidas revelam que o valor total dos cuidados não remunerados e do trabalho doméstico no mundo alcança patamares da ordem de 10 e 39 por cento do PIB. Isso representa uma enorme transferência de recursos de mulheres para outros setores da economia, uma vez que são as mulheres que carregam o fardo dos trabalhos domesticos e de cuidado.

As desigualdades de gênero bloqueiam o desenvolvimento: relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que reduzir as desigualdades de gênero no mercado de trabalho a um patamar de 25% até 2025 poderia adicionar US$ 5,8 trilhões para a economia global e aumentar as receitas fiscais.

Independentemente do aporte de recursos para a economia que traz o fechamento da brecha existente entre homens e mulheres, é inaceitável que no século XXI as mulheres ocupem espaços de subalternidade, sendo sistematicamente oprimidas e violentadas em todas as partes do mundo – em maior ou menor grau.

Contudo, as lideranças políticas do Brics não consideram esse tema prioritário. Poderia ser diferente. O bloco tem todas as condições para conduzir desde o Sul Global um movimento amplo e profundo de enfrentamento das enormes brechas que separam mulheres de homens. Mas aí seria desencadear um processo revolucionário e não tem nada mais conservador do que os dirigentes desses cinco países. Muitas lutas continuam nos aguardando!

Nathalie Beghin é coordenadora da assessoria política do Inesc, integrante da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e do BRICS Feminist Watch

 

Categoria: Artigo
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