Roraima tem estado cada vez mais nos holofotes, seja devido à imigração dos venezuelanos ou à intervenção federal que aconteceu no final de 2018. Mas como será que o atual governo do estado está se preparando para enfrentar os desafios?
O Inesc, em parceria com o Núcleo de Mulheres (Numur – RR) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), realizou um ciclo de três oficinas de formação, chamado Uma cidade com políticas públicas acolhe bem a todos/as! Orçamento Público & Direitos dos/as migrantes. A partir da metodologia Orçamento & Direitos, estimulamos a aliança entre lideranças migrantes e organizações da sociedade civil de Boa Vista, visando a incidência no orçamento público para a efetivação de políticas que acolham os/as migrantes – ao mesmo tempo em que se consolidem como um legado para a população roraimense.
Plano Plurianual, o PPA
Assim como o governo federal, os estados também estão discutindo seu Planos Plurianuais (PPA). O PPA define os programas e ações que o governo pretende desenvolver nos próximos quatro anos, neste caso, de 2020 a 2023. No âmbito federal, o PPA apresentado prioriza ricos, ignora racismo e sexismo, e não promove ações de combate às desigualdades sociais.
Ao contrário do seu aliado na presidência, a gestão do atual governador Antônio Denarium (PSL) não esvaziou completamente o PPA e manteve a imagem de participação social em sua construção. Mesmo assim, há muitas concepções parecidas nas duas esferas: o tom do PPA de RR é o da gestão eficiente, da ideia de um governo que funciona como empresa e de Roraima como “terra de investimentos”. Da mesma forma, embora a participação tenha acontecido por meio das audiências públicas e da consulta virtual, sendo inclusive muito exaltada nos documentos, ela parece ter sido meramente proforma, mantendo um verniz democrático que não se traduziu na inclusão das demandas populares no programa.
A dimensão de inclusão social no PPA 2020-2023 tem um orçamento previsto de mais de R$ 5 bilhões, o que representa um aumento de mais de 40% em relação ao anterior. As outras dimensões, de eficiência e transparência na gestão pública e de crescimento sustentável, contam com R$ 6 bilhões e R$ 900 milhões, respectivamente. O aumento de recurso para programas sociais significa uma priorização, na prática, da inclusão social? Selecionamos algumas políticas para um olhar mais aprofundado sobre o tema:
Migração venezuelana
No que tange à questão migratória, há várias menções no PPA à chegada dos venezuelanos/as, mas todas apontam para as dificuldades criadas pela situação. Porém, os migrantes venezuelanos também contribuem economicamente para o estado, por meio do seu trabalho – muitas vezes super explorado e precarizado – ou pelo aumento do consumo e, consequentemente, pagamento de impostos indiretos. Além disso, o estado aumentou sua arrecadação devido à migração: recebeu mais recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e mostrou superávit do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
A despeito disso, no PPA existe apenas uma ação que cita os migrantes, a “Execução de Atividades na Área de Defesa dos Direitos dos Migrantes e Refugiados”, com previsão de R$ 66 mil e, destes, apenas R$ 1 mil são para 2020. Não há outra menção ou inclusão dos/as migrantes como público alvo de nenhuma outra política do novo PPA de Roraima
Essa ação está inclusa no programa Proteção Social Especial. Ele teve um grande aumento na previsão de recursos, de R$ 9 para R$ 14 milhões, concentrados em três ações: além da sobre os migrantes, de cofinanciamento de ações em parcerias com outros órgãos (não especifica quais) e de fortalecimento dos serviços de proteção especial. No PPA anterior, o programa era composto por cinco ações, sendo que três delas eram destinadas à construção, reforma e aparelhamento de unidades de atendimento. Essas três ações foram retiradas do novo PPA e é preciso saber se o recurso foi de fato investido, bem como o atual funcionamento e condições das Unidades em questão.
Já o Programa de Proteção Social Básica teve sua previsão orçamentária diminuída, saindo de pouco mais de R$ 7 milhões para R$ 4 milhões. Foram retiradas duas ações, de implementação de ações desportivas comunitárias e de inclusão produtiva de famílias em vulnerabilidade social. Esta última recebeu grande destaque em nossas oficinas, por sua especial importância no contexto do grande fluxo migratório. É importante frisar que a diminuição do orçamento previsto torna-se ainda mais grave já que novas ações foram incluídas, de forma que há mais demandas para uma quantia menor de recurso. As novas ações tratam do apoio à gestão de programas federais, como o Bolsa Família e o Criança Feliz.
Restaurantes Comunitários
Foi extinto do PPA o programa de segurança alimentar e nutricional. Duas ações deste programa foram incorporadas no programa de desenvolvimento social, com muito menos recurso previsto do que no PPA anterior. Nas oficinas do Inesc, a demanda pela ativação dos restaurantes populares foi bastante levantada e registrada pelos participantes – migrantes e roraimenses – sendo solenemente ignorada, não estando prevista no novo PPA.
No programa de desenvolvimento social está inclusa também uma ação de promoção da igualdade e enfrentamento à violencia contra a mulher, que conta com quase R$ 660 mil no PPA 2020 -2023. Está previsto também mais de R$ 18 milhões para o gerenciamento da Casa da Mulher Brasileira. No PPA anterior, a política para mulheres constava do programa de gestão, e teve cerca de R$ 1 milhão de recursos. Bom sinal, caso as ações sejam de fato implementadas.
Governo prioriza encarceramento
No entanto, a ação que teve um aumento de R$ 86 milhões de reais foi a gestão do sistema penitenciário, mais que dobrando o valor previsto anteriormente, chegando a R$ 145 milhões de reais no PPA 2020-2023. Nas ações para a juventude, o fortalecimento da política para esse público tem previsto R$ 32 mil. Para o fortalecimento do sistema socioeducativo há previsão de mais de R$ 5 milhões. Ou seja, prioriza-se no orçamento o encarceramento, e menos ainda a proteção dos jovens.
Apesar de citar longamente a necessidade de investimento no desenvolvimento econômico de Roraima e a importância do estímulo ao mercado de trabalho, o programa de governo sobre emprego teve sua previsão orçamentária para os próximos anos drasticamente reduzida, caindo de cerca de R$37 milhões para R$3,5 milhões.
Assim, mesmo com o aumento do orçamento para programas sociais, grupos altamente vulneráveis continuam deixados de lado na programação orçamentária do estado para os próximos anos. Fruto das oficinas do Inesc sobre orçamento público, a sociedade civil roraimense se organizou para entregar suas demandas e proposições para a câmara legislativa.
Como o PPA tramita até o final do ano, esperamos que a participação popular seja respeitada, não só na construção do Plano, mas também na sua fase mais importante, que é a de aprovação.