Em 10 anos, despesas do Ministério da Saúde com medicamentos dobraram

04/12/2019, às 12:49 (atualizado em 16/12/2019, às 16:05) | Tempo estimado de leitura: 9 min
Inesc apresenta série histórica da execução financeira do Ministério da Saúde para o período de 2008 a 2018. Os dados possibilitam avaliar e refletir sobre rumos da Política Nacional de Assistência Farmacêutica na última década
Imagem de Thomas Breher por Pixabay

Nos últimos 10 anos, os gastos do Ministério da saúde com medicamentos praticamente dobraram, passando de R$ 9 bilhões em 2008 para R$ 17 bilhões em 2018. O aumento foi proporcionalmente maior do que o do orçamento da Saúde no mesmo período: os recursos do Ministério cresceram 41% em termos reais.

O levantamento foi feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), com dados extraídos do portal Siga Brasil, do Senado Federal, em julho de 2019. Com o objetivo de avaliar a alocação de recursos federais na promoção do acesso a medicamentos no Brasil, o Inesc utiliza a ferramenta do Orçamento Temático de Acesso a Medicamentos (OTMED).

Nesta terceira edição, o OTMED traz os dados de 2018 e revisita toda a série histórica da execução financeira do Ministério da Saúde analisada pelo Inesc nestes 10 anos.

O estudo* mostra que o aumento proporcionalmente maior do OTMED em relação ao do orçamento da Saúde em geral pressiona os já escassos recursos destinados para esse setor, inclusive aqueles designados à promoção e à prevenção. Para Luiza Pinheiro, assessora política do Inesc, ainda que o aumento do OTMED seja, a princípio, uma boa notícia, é importe verificar se eles estão de fato ampliando o acesso da população a medicamentos.

“O crescimento do investimento público em medicamentos é importante, tendo em vista as expressivas carências em saúde que acometem grande parte da população brasileira e a centralidade que os medicamentos ocupam no cuidado atual. Contudo, boa parte desses recursos é retida pelas indústrias farmacêuticas e pelo varejo, em sua maioria multinacionais e de grande porte, que têm lucros crescentes mesmo no cenário de crise”, explicou a autora do estudo.

O mercado farmacêutico apresentou crescimento acima do PIB nos últimos anos e foi um dos poucos setores não afetado pela crise de 2008. O setor faturou R$ 69,5 bilhões em 2017.

Gastos por componente

No detalhamento por componente, o Componente Estratégico (CESAF) é o que apresentou maior crescimento no período em termos reais, chegando, em 2018, a um valor duas vezes e meia maior do que o observado em 2008. O Componente Especializado (CEAF) aumentou 53%, enquanto o Componente Básico (CBAF) permaneceu praticamente constante, com elevação de apenas 3%.

O CBAF garante o custeio e a distribuição de medicamentos e insumos essenciais destinados à Atenção Básica, além de ações para a qualificação da Assistência Farmacêutica. A estagnação do orçamento do CBAF pode significar, na avaliação de Luiza Pinheiro, uma priorização da distribuição de medicamentos via programa Farmácia Popular (FP), cujo recurso triplicou, em termos reais, em 10 anos.

“O problema é que o Farmácia Popular não atende pessoas que o CBAF atende. Além disso, o Farmácia Popular, por meio da rede conveniada, acaba beneficiando a rede privada de varejo farmacêutico”, explicou Luiza. “Os programas deveriam ser complementares, mas o que acontece é a opção pela via privada”, completou.

Judicialização da assistência farmacêutica

Os gastos do MS com a judicialização de medicamentos voltaram a crescer em 2018, alcançando a marca de R$ 1,31 bilhão, mas ainda não atingindo o mesmo patamar de 2016, considerando-se a inflação.

De acordo com o levantamento, “o aumento dos gastos com a judicialização nos dois últimos anos está, em grande parte, relacionado com a aquisição de medicamentos de alto custo. Soma-se a isso a necessidade de cumprimento tempestivo das determinações impostas à União pela Justiça. Isso piora com a crise financeira dos estados, fazendo com que o governo federal assuma as obrigações judiciais, devido à obrigação solidária entre os entes públicos”.

Saúde Indígena

O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas recebe por ano, em média, R$1,5 bilhão. Deste total, 1,4% é gasto com medicamentos. O valor investido na saúde indígena é insuficiente para atender de forma adequada os 24 Distritos de Saúde Indígena espalhados por todo o território nacional, considerando as características específicas destas populações e seu acesso.

Recomendações

Ao final do estudo, o Inesc faz recomendações ao setor público com o objetivo de contribuir para a ampliação do acesso a medicamentos, bem como para a redução das desigualdades na realização do direito à saúde no Brasil. Algumas delas: criar mecanismos de promoção da equidade via assistência farmacêutica; fomentar a participação popular, envolvendo a sociedade civil nas questões relacionadas à Assistência Farmacêutica; e debater a efetividade dos gastos tributários, já que o setor apresentou elevações substantivas de benefícios fiscais, passando de R$ 4 bilhões em 2018 para R$ 7,5 bilhões em 2016, último dado efetivo disponível.

Metodologia Orçamento e Direitos

Desde os anos de 1990, o Inesc analisa o orçamento de políticas e serviços públicos com o prisma da realização dos direitos humanos. Para isto, desenvolveu a metodologia Orçamento & Direitos, que foi revisitada e atualizada no ano de 2017, processo que originou a publicação de sua nova edição, disponível aqui.

A metodologia prevê os Orçamentos Temáticos, construídos por meio de agrupamentos de despesas, utilizando-se plataformas de dados abertos oficiais e solicitações de informação, de forma a integrar as rubricas que destinam recursos à promoção do direito que se pretende pesquisar – o que nos permite monitorar séries históricas e acompanhar tendências dentro de um mesmo tema, sem que nos limitemos a uma política ou a um programa específicos.

*ERRATA: substituímos o arquivo do estudo para corrigir alguns erros:

–Na página 10, no Gráfico 1, onde se lia “R$ milhões a preços de 2018” o correto é “R$ bilhões”.

– Na página 19, onde se lia “Não houve aumento no número de ações que justifique a queda do valor, pois elas decrescem desde 2016 (foram 2.639 novas ações em 2016 e 1.240 novas ações em 2018)”,  o correto é “Não houve variação no número de …”.
– Na página 27 , onde se lia “O preço unitário desses medicamentos é muito alto, pois eles custam apenas 3,8% dos produtos comercializados“,  o correto é “pois eles correspondem a apenas 3,8% das unidades comercializadas“.

– Na página 28, onde se lia “Os gastos tributários com o setor também apresentaram elevações substantivas, passando de R$ 4 bilhões em 2018 para R$ 7,5 bilhões em 2016, último dado efetivo disponível”,  o correto é ” passando de R$ 4 bilhões em 2008 para R$ 7,5 bilhões em 2016, último dado efetivo disponível.”

 

Categoria: Notícia
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