O Brasil vive hoje uma crise sem precedentes gerada pela pandemia da Covid-19. Com 16.188 casos notificados e 820 mortes confirmadas[1] decorrentes do vírus em todo o país, o governo bate cabeça diariamente buscando uma linha de atuação para gerenciar a crise de saúde. O Presidente Jair Bolsonaro tem sofrido desgastes contínuos, disseminando teorias da conspiração e atuando contra do isolamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Chegou ao ponto de convocar “protestos” em sua defesa, ir a uma manifestação, e realizar chamado a um jejum nacional, no último domingo 5 de abril.
A maioria dos governadores, por seu turno, optaram pelo isolamento horizontal à revelia do presidente, gerando acirramento de disputas políticas que acabam atrapalhando o traçado de um plano eficaz para contenção da doença e proteção dos cidadãos e cidadãs. Esta semana – a terceira ou quarta em isolamento para muitas famílias brasileiras –, iniciou com a notícia de demissão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também por motivações políticas: estaria ele desagradando Bolsonaro em suas decisões para gestão da crise, mas acabou permanecendo no cargo, ao que parece por pressão da ala militar do governo.
Uma boa notícia foi a aprovação da renda básica emergencial, que poderá impactar diretamente a vida de milhões de mulheres brasileiras sem renda, principalmente mulheres negras que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. No projeto aprovado no Congresso e assinado com demora pelo presidente, autoriza-se o pagamento de R$600 reais por três meses, para até 2 adultos em uma família com renda de até 3 salários mínimos. As mães solo poderão acumular 2 benefícios. Ainda não é possível avaliar a implementação da medida, pois há dúvidas em relação à logística de movimentação nas agências bancárias e sobre o real acesso do público alvo ao aplicativo digital, lançado na terça feira, 7 de abril.
Em meio a toda esta crise e às confusões desnecessárias no campo diplomático – como os ataques racistas à China, maior parceira econômica do Brasil –, chama a atenção a inoperância do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). A Ministra Damares Alves foi a público apoiar o jejum, mas demorou quase um mês para se pronunciar sobre a gestão da pasta sob sua responsabilidade na Covid-19: no último dia 2 de abril anunciou as medidas do MDH, em sua maioria ações de conscientização da população e articulação com outros órgãos. A ação mais concreta parece ser a ampliação dos serviços Ligue 100 e Ligue 180, canais de denuncia de violência, reconhecendo que a convivência intermitente com o agressor aumenta a vulnerabilidade das mulheres.
No entanto, nada foi dito sobre a execução do orçamento do MDH, que teve recursos autorizados de cerca de R$394 milhões de reais para 2020[2]. É importante salientar, como destacamos em artigo anterior, que R$25 milhões estão carimbados para “Políticas de Igualdade e Enfrentamento à Violência”; mais de R$71 milhões para a “Construção da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres em Fronteira Seca”; e mais de R$35 milhões para os dois canais de atendimento, Ligue 100 e Ligue 180 (canais para os quais uma empresa já foi contratada no ano passado, ou seja, já está em andamento). Estas três ações somam cerca de R$132 milhões em recursos do MDH voltados para o enfrentamento a violência contra as mulheres.
Passados 4 meses do início do ano orçamentário, o MDH executou somente R$536 mil reais: isso mesmo, 0,13% do recurso autorizado para o ano de 2020![3] Deste parco recurso, foram R$336.000,00 para “Despesas diversas” e o restante para o funcionamento dos conselhos da Pessoa Idosa, Pessoa com Deficiência e Juventude, além de publicidade institucional.
Com a crise da Covid-19, uma nova ação orçamentária foi criada, a Ação Orçamentária 21C0: Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do Corona Vírus, que conta, para execução do MDH, com R$40 milhões de reais, mas ainda não sabemos como será executado. O recurso total do MDH, hoje, é de R$416 milhões de reais[4].
As questões que se colocam são: como estes recursos irão chegar aos municípios e territórios neste momento de emergência? Qual o plano do MDH para execução destes recursos, visando cumprir um objetivo bem prático, salvar a vida das mulheres? Como as mulheres periféricas, em sua maioria negras, terão acesso ao sistema de proteção social em um quadro onde os serviços de atendimento encontram-se praticamente, todos, fechados?
A maior parte do recurso autorizado do MDH foi para a Ação 21AR – Promoção e Defesa de Direitos para Todos, no valor de R$159 milhões[5], sem detalhamento de como seria gasto: o Plano Orçamentário desta ação ainda consta como “PO – 0000: Despesas Diversas. Como os planos orçamentários podem ser alterados durante o ano orçamentário, realizamos um pedido via Lei de Acesso à Informação (março/2020) para verificar a destinação destes recursos, e obtivemos como resposta que se trata de orçamento advindo de emendas individuais impositivas para o ministério. O que descobrimos?
Checando a listagem e descrição de tais emendas, podemos encontrar diversas ações que seriam de suma importância serem executadas neste momento da Covid-19, como equipamentos para instituições de longa permanência para idosos e atendimento a meninas e meninos em situação de rua. Outras, perdem o sentido, por enquanto, em uma situação de isolamento social, como equipamentos para centros de atendimento a crianças e adolescentes e conselhos tutelares, bem como projetos de educação presencial.
Diversas emendas são voltadas para o enfrentamento a violência contra as mulheres, e devem ser executadas o quantos antes, pois somam cerca de R$39 milhões de reais, para os seguintes estados: Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Sergipe, Pernambuco, Bahia, Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O fato é que será impossível construir as casas da mulher brasileira este ano, e se estes equipamentos já estivessem prontos, provavelmente não poderiam abrir para atendimento – para não gerar uma situação de contágio –, ou mesmo poderiam ser solicitados para instalação de hospitais de emergência. Em um cenário de escassez de recursos e com os impactos da Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) se fazendo sentir no Sistema Único de Saúde (SUS), todos os recursos disponíveis devem ser executados pelo bem da sociedade. O MDH precisa apresentar para a sociedade como pretende proteger, concretamente, os direitos humanos de mulheres, idosos, pessoas com deficiência, em situação de rua, quilombolas e indígenas, neste momento de Codiv-19.
É possível e necessário apoiar ações locais para acesso à renda emergencial, pois sabemos que os mais vulneráveis terão dificuldades com o acesso ao benefício, seja pela limitação em encontrar informações, seja pela exclusão digital. As mulheres em situação de violência precisam da renda básica para se proteger. Esta é uma pauta relacionada às mulheres, famílias e direitos humanos!
Há recursos autorizados disponíveis para execução. São mais de R$400 milhões de reais. A Ministra precisa arregaçar as mangas e fazer o seu trabalho, pois a fome, a violência e o vírus Sars-Cov-2 já chegaram à casa das famílias brasileiras.
[1] Fonte: https://www.worldometers.info/coronavirus/
[2] Fonte: Siga Brasil, acesso em fevereiro de 2020, dados corrigidos pelo IPCA.
[3] Fonte: Siga Brasil, acesso em 8 de abril de 2020. Dados corrigidos pelo IPCA.
[4] Fonte: Siga Brasil, acesso em 8 de abril de 2020. Dados corrigidos pelo IPCA.
[5] Fonte: Siga Brasil, acesso em fevereiro de 2020: R$159.340.917,00; e em 8 de abril de 2020: R$159.739.312,00. Dados corrigidos pelo IPCA.