A chegada da pandemia nos territórios indígenas encontrou a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas já deteriorada, após os cortes sucessivos em nome do cumprimento do teto de gastos públicos estabelecido pelo governo. O que ninguém esperava é que, mesmo em situação precária, o governo federal gastasse menos verba neste primeiro semestre para proteger os índios do coronavírus, em comparação a igual período de 2019.
Considerando o valor autorizado da ação “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena”, houve uma queda de 9% (R$ 1,54 bilhão para R$ 1,39 bi), entre 2019 e 2020. Em todo o período da gestão Bolsonaro, a redução chega a 14% entre 2018 e 2020, conforme o gráfico abaixo:
Os números pertencem a uma nota técnica elaborada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos, com o intuito de sensibilizar os senadores a rever os vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao PL 1142/2020. Originado na Câmara, o Projeto de Lei havia proposto medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 entre os povos indígenas, as comunidades quilombolas e demais comunidades tradicionais.
Contudo, quando o documento chegou ao Poder Executivo, diversos pontos de apoio a essas populações foram vetados como, por exemplo, a obrigatoriedade do fornecimento de acesso à água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias indígenas, a liberação de verba emergencial para a saúde indígena e a instalação de internet naquelas regiões.
“Apesar da chegada do novo coronavírus, não houve recomposição orçamentária nem mesmo por créditos extraordinários, o que seria tanto justificado pela vulnerabilidade indígena diante da pandemia como autorizado pelo regime fiscal especial decorrente da emergência sanitária”, explica Leila Saraiva, assessora política do Inesc.
Segundo ela, os investimentos em Saúde Indígena ainda continuam em queda neste ano. “É um contrassenso diante dos efeitos devastadores na pandemia entre povos indígenas”, lamenta a assessora.
A pesquisa do Inesc também apontou que, nos meses em que a pandemia já estava instaurada nos territórios indígenas, os valores liquidados foram significativamente menores que os liquidados em igual período de 2019. Em abril e maio, a queda chega à casa dos R$ 100 milhões. Somente em junho esse quadro se reverte, o que indica a demora para a efetivação de uma atuação robusta para conter o vírus.
Como exemplo da redução dos gastos, o Inesc trouxe o caso de dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas mais afetados pela pandemia: DSEI Leste-RR e DSEI- Rio Tapajós. Constatou-se que não houve aumento significativo de gastos em itens essenciais para o enfrentamento do novo coronavírus nos meses em que a pandemia já estava instaurada nas comunidades. Os gastos com táxi-aéreo, utilizados para transporte de paciente no âmbito do DSEI -Rio Tapajós, foram mais altos no começo do ano do que quando a pandemia já estava instaurada.
A justificativa dada pelo secretário de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, diante dos números apresentados pelo Inesc em reunião da Comissão Externa do Coronavírus da Câmara dos Deputados, não condiz com os dados orçamentários. Silva afirmou que a queda dos valores liquidados se explicava pela paralisação das obras.
No entanto, a Nota Técnica demonstra que o Plano Orçamentário referente às obras é pouco relevante nos gastos da Sesai e a queda orçamentária se deu mesmo nas atividades que dizem respeito ao atendimento à população indígena.
Leia a íntegra da Nota Técnica “Execução orçamentária da Saúde Indígena diante da pandemia do novo coronavírus”