A segunda live do circuito de diálogos promovidos pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sobre as estratégias comunitárias para o enfrentamento da covid-19 colocou em foco os territórios afetados pela mineração no sudeste do Pará. Mulheres de diferentes municípios compartilharam suas vivências sobre as contradições da atividade mineral, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e o agravamento das desigualdades.
“Hoje vamos mostrar como é possível fazer um debate sobre a economia que traz o cotidiano da vida para o centro das preocupações, sem deixar de debater os grandes números com os quais a ciência econômica gosta de trabalhar”, explicou Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc na abertura.
Com o tema “De que lado a corda arrebenta? Os recursos da mineração e a desigualdade em tempos de pandemia”, o bate-papo contou com a presença de Cristiane Jardim do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR); Maria Lindalva do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Porto Seguro; Rebeca de Souza do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM); e Larissa Alves, economista e pesquisadora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Mediou o debate Rose Bezerra, educadora e socióloga da região, que também organiza do circuito de lives. Margarida Negreiros, docente da Unifesspa, fez a mediação poética.
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A vivência no território de mineração
É difícil discutir qualquer tema no sudeste do Pará sem levar em conta a atividade minerária e as proporções dos territórios que ela ocupa. “Canaã dos Carajás é um município de 3.470.00 km², 35% já foi destinado para lavra de mineração. E as áreas de pesquisa, direito minerário, já ultrapassam de 60% de Canaã”, denunciou Cristiane Jardim, moradora do município.
As participantes ainda denunciaram poluição sonora gerada pela estrada de ferro e o fato de que a mineração, considerada pelo governo brasileiro como atividade essencial, não parou durante a pandemia. “A Vale é uma das principais propagadora dos vírus da covid-19”, resumiu Cristiane.
As mulheres no contexto da mineração
Para além dos impactos gerados pela mineração na população, a atividade afeta as mulheres de forma específica. Vendida, muitas vezes, como atividade geradora de empregos, o lugar destinado às mulheres nos serviços da mineração é inferior aos postos ofertados aos homens. “As poucas vagas para as mulheres não são bem propícias”, pontuou Cristiane.
Rebeca trouxe dois outros elementos sobre esta questão. Falou sobre a prostituição, impulsionada pela grande quantidade de trabalhadores que chegam aos municípios, e sobre a organização da divisão sexual do trabalho no seu entorno. “O homem da mineração chega em casa e vai dormir. A mulher chega, arruma a casa e faz comida. Esse é um debate que precisa ser mais amadurecido pelas próprias mulheres da mineração”.
Apesar do machismo e do sexismo, há protagonismo feminino na conquista da terra e na construção de alternativas à mineração. Lindalva destaca que no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) é formado, em sua maioria, por mulheres, que comandam o projeto. Além disso, são elas que têm participação mais ativa nas questões relacionadas ao efeito da mineração.
“Nós somos as primeiras a visualizar os impactos na região; a verificar a falta de vagas nas escolas; a enfrentar filas nos hospitais”, explica Cristiane.
Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM)
Como os recursos minerários pertencem à União, as mineradoras são obrigadas a pagarem uma compensação para os cofres públicos, chamada CFEM. De acordo com Larissa Alves, economista da Unifesspa e pesquisadora do tema, a CFEM não é um recurso pago por impacto ambiental ou social. Ela é uma compensação pelo uso do recurso dos minérios que são propriedade da União.
Marabá, Canaã dos Carajás e Parauapebas, municípios onde moram as participantes da live e que realizam exploração mineral recebem a CFEM. Para a live, Larissa selecionou alguns dados a fim de mostrar o quanto este montante é significativo na receita dos municípios:
As informações são do projeto De Olho do CFEM, com o qual Larissa contribui. A iniciativa surgiu diante da pouca transparência no uso do dinheiro e de um contexto em que não se percebe uma melhoria na qualidade de vida das populações afetadas.
A análise realizada sobre os três municípios aponta aumento da pobreza e crescimento da arrecadação. “À medida que eles se tornam mais ricos economicamente, pela receita das prefeituras, PIB e saldo das importações, a população pobre se torna mais vulnerável”, resume a economista.
O exemplo do município de Canaã dos Carajás, que mais arrecada CFEM no estado do Pará, é esclarecedor:
Entre 2012 a 2016, houve a redução do número de pessoas extremamente pobres, porém, a partir em 2016, essa vulnerabilidade voltou a crescer. Hoje, 42% da população de Canaã dos Carajás estão na linha da extrema pobreza ou na pobreza.
Saídas da mineração e da Covid-19
As reflexões trazidas pelas mulheres paraenses nessas lives deixa nítido que em contextos vulneráveis, como é o caso dos territórios vizinhos da mineração no sudeste do Pará, a covid-19 agudizou problemas já existentes. “Quando chegou esse tempo de pandemia, ficou claro que a gente não conseguiu a acompanhar o desenvolvimento [da mineração]. Os imóveis aumentam os preços e as pessoas que vieram das roças não conseguem comprar uma casa boa na cidade”, relatou Cristiane.
É nesse contexto que essas mulheres, junto aos seus coletivos, têm experimentado alternativas que passam pela por processos de comercialização justas e comunitárias. “Começamos com pouco e hoje temos uma feira ecológica”, conta com satisfação Lindalva. Durante a pandemia, em conjunto com a Comissão Pastoral da Terra, elas ainda criaram uma feira delivery.
A permanência no campo e o modo de vida possível a partir da terra também contribuíram para o isolamento social de parte desta população durante a quarentena. “As pessoas estando na roça, em seus lugares do trabalho, não contraíram o vírus”, conta Cristiane.
Essas experiências “mostram os sinais que fazer enfrentamento à mineração é fortalecer a atuação no povo na terra”, comentou Rose durante a live. Rebeca ainda destacou a experiência do Quintal Cultural em Parauapebas, dirigida por mulheres e que comercializa artesanato e alimentos, entre outros produtos. “Uma super iniciativa que confronta o modelo garimpeiro. Temos que reinventar na pandemia!”.
Os planos pessoais não são menos importantes que as experiências coletivas de produção e de geração de renda. Lindalva, que trouxe para live o sonho e a realização de um assentamento que desenvolve experiências de sustentabilidade, conta que agora é tempo de se cuidar. Cristiane, que já quis fugir da atmosfera garimpeira, hoje vê alternativas: “eu, por um tempo, tinha muita vontade de ir embora. Hoje, considero que sou filha de Parauapebas. Ela é uma cidade que eu gosto”.
Veja um resumo da live.
Acompanhe o circuito de lives e escute as mulheres amazônidas
Para saber mais sobre o sudeste do Pará, o contexto de mineração e as estratégias desenvolvidas pelas mulheres amazônidas para sobreviver a esse modelo econômico e à crise da Covid-19, acompanhe o circuito de lives pelo site e pelo YouTube do Inesc.
A primeira live, “Mulheres amazônidas: a defesa dos territórios em tempos de crise” teve como tema a luta e a resistência das mulheres no contexto da pandemia e a mudança nas rotinas das atividades sociais. Já o segundo encontro trouxe para o centro do debate a questão econômica, a CFEM, o impacto econômico da mineração e a desigualdade. O próximo encontro, “Territórios camponeses frente à mineração: olhares sobre a questão fundiária”, acontece dia 22 de setembro, às 17h, e discute o conflito fundiário, a disputa da mineração pelas terras da população local.