O presidente Bolsonaro é responsável pelas milhares de mortes por Covid-19 no Brasil em função de uma administração federal incapaz de conter a crise sanitária adequadamente e incapaz de imunizar a população brasileira satisfatoriamente. Ademais, sua falta de empatia com os mortos e suas famílias e sua recorrente desqualificação da pandemia e seus efeitos contribuem para que parte da população ignore as necessárias medidas de distanciamento social e de proteção (uso de máscaras, lavagem das mãos), contribuindo para o alastramento da doença. O presidente Bolsonaro é responsável pelo expressivo aumento da fome observado em janeiro de 2021, essencialmente em função da desativação do Auxílio Emergencial. Também é responsável pelo racismo institucional praticado pela sua administração, uma vez que a maior parte das pessoas que morrem de Covid-19 e que passam fome é negra.
O ano de 2021 se inicia com a fome rodando lares de milhões de brasileiros. Segundo a FGV Social, são 27 milhões de pessoas que vivem em situação de miséria, isto é, com uma renda mensal menor do que um quarto de salário mínimo. A pessoa tem pouco mais de oito reais por dia para, além de se alimentar, pagar aluguel, passagem de ônibus, recarga de telefone, remédios, água, luz e roupas, entre outras despesas. Impossível! A conta não fecha.
Para termos uma ideia da dramaticidade da situação, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo necessário para a população arcar adequadamente com os custos mensais seria de pouco mais de cinco mil reais para uma família de quatro pessoas, o que equivale a uma renda per capita de um salário mínimo, mais de quatro vezes superior à renda das pessoas que vivem na miséria.
O que nos deixa mais atônitos é que o Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do planeta. Produz muito mais do que o necessário para alimentar os mais de 210 milhões de pessoas que habitam seu território. Então, qual o problema?
O problema tem várias causas, mas duas são centrais: as desigualdades que fazem com que essas pessoas não tenham renda suficiente para se alimentar e viver adequadamente e o desmonte das políticas de segurança alimentar e nutricional que, entre os anos de 2003 a 2016, contribuíram para tirar o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas. As duas causas traduzem a ausência de Estado.
Com efeito, a partir de 2016 se consolida a narrativa de que o Estado no Brasil gasta muito e gasta mal. Por isso foram implementadas medidas, constitucionais, infraconstitucionais e administrativas que diminuíram os recursos para as políticas públicas (Teto de Gastos, contingenciamentos e cortes orçamentários) e que vêm desmontando as instituições de proteção social (reforma trabalhista, reforma da previdência, privatizações, progressiva eliminação da participação social, revisão dos critérios para diminuir o número de beneficiários, fechamento do Ministério do Trabalho e Emprego, entre tantas outras medidas).
No caso específico de políticas de combate à fome, o governo Bolsonaro fechou o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), conhecido internacionalmente pela sua experiência bem sucedida, bem como desativou o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e deixou de consolidar e ampliar o Programa Bolsa Família reconhecido pela sua efetividade no combate à pobreza extrema.
As sucessivas medidas de cortes de recursos públicos e de desmonte das instituições de proteção social afetam proporcionalmente mais os negros, em especial as mulheres negras e, portanto, revelam o perverso racismo da administração Bolsonaro. Isto porque, a absoluta maioria dos que passam fome são pessoas negras.
Note-se, contudo, que o Congresso Nacional é cúmplice desses crimes, pois vem aprovando leis que não só expropriam o povo como excluem milhões de pessoas por causa de sua cor.
A melhor prova dos crimes cometidos pela administração Bolsonaro é o Auxílio Emergencial. Resultado de ampla pressão da sociedade junto ao Congresso Nacional, Bolsonaro teve que implementá-lo, muito a contragosto. Depois, quando viu que renderia votos, reescreveu a história e se apropriou do que não era seu.
O Auxílio teve impacto extremamente relevante na diminuição da miséria e na redução das desigualdades, especialmente em relação as mulheres negras. É o que mostra estudo recente e extremamente interessante e inovador, de Lygia Sabbag Fares, Ana Luíza Matos de Oliveira, Luísa Cardoso e Luiza Nassif-Pires. A partir de dados da Pnad-Covid, a pesquisa apresenta evidências de que a crise econômica afeta desproporcionalmente mais famílias chefiadas por mulheres negras e demonstra a importância que o Auxílio Emergencial teve em mitigar tais efeitos. As autoras mostram que a renda do trabalho de famílias chefiadas por homens brancos, homens negros, e mulheres brancas, respectivamente, chegou a ser 2,55, 1,41 e 1,88 vezes maior que a das famílias chefiadas por mulheres negras em agosto de 2020. Contudo, graças ao Auxilio Emergencial, a renda das famílias chefiadas por mulheres negras tornou-se mais próxima à renda de todos os outros grupos, mesmo quando comparado ao período pré-pandemia.
O que esses dados revelam, para além da importância de programas de transferência de renda para combater a miséria e a pobreza, é que o Estado tem papel central não só no combate à fome, como no enfrentamento das desigualdades estruturais que caracterizam o Brasil: classe, raça e gênero.
É por isso que o ato deliberado de desativar o Auxílio Emergencial deve ser considerado crime de lesa pátria que se soma à responsabilidade pelas mortes de Covid-19, consequências de um governo homicida, sexista e racista, que ofende o Brasil.