Desde que a pandemia começou e o ensino público remoto passou a vigorar no Brasil, mais de 20% dos estudantes do Ensino Médio ficou sem acesso às aulas online, por vontade própria ou não, no primeiro, segundo ou nesses dois anos da crise sanitária. Na zona rural, a situação é ainda pior, já que a soma dos jovens sem acesso à educação pública, durante um ano ou nesses dois anos da crise sanitária, chega a 26,8% do total de estudantes do Ensino Médio.
Também é crítico o cenário na região Norte, onde apenas 68% conseguiram ter aulas em 2020 e 2021, contra 84,8% no Sudeste e 80,1% no Sul, revelando a grande desigualdade no sistema educacional do País.
Em comparação com a rede privada, 88,2% estudaram remotamente durante os dois anos que o Brasil segue em pandemia – o dobro do percentual do ensino público. Cabe lembrar que, em termos absolutos, o número dos que não estudaram um ou outro ano, ou nenhum deles, relativos à rede pública, equivale a 1,3 milhão de estudantes do Ensino Médio do País.
Essas são algumas conclusões da pesquisa inédita divulgada hoje pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) sobre a “A experiência do ensino durante a pandemia de Covid-19 no Brasil”, que contou com o apoio de diversas organizações, entre elas o Fundo Malala.
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas presenciais realizadas pela Vox Populi no mês de julho deste ano, com jovens entre 15 e 19 anos, de todas as regiões do País, nas redes pública e privada, que vivenciaram a experiência da escola em tempos de pandemia.
“O Brasil é conhecido por suas profundas desigualdades raciais, regionais, de gênero, de renda. E essa realidade só se agravou na pandemia, sobretudo, pela forma como foram conduzidas as políticas públicas nesse período”, afirma Cleo Manhas, assessora política do Inesc. Ela acrescenta que a educação, apesar de essencial, foi negligenciada pelos governos nacional e regionais. “Os números refletem essa realidade.”
Sobre a motivação para deixar os estudos, os jovens da rede pública apontam, principalmente, a necessidade de trabalhar (14,6%) e falta de recursos (12,9%) não apenas para manter uma estrutura de educação à distância, como também para garantir necessidades básicas de sobrevivência.
>>> Acesse o estudo “A experiência do ensino durante a pandemia de Covid-19 no Brasil”
Ainda no grupo dos que dependem do governo para estudar, as meninas foram as mais prejudicadas ao assumir essas tarefas, segundo mostra o gráfico abaixo:
Outras conclusões da pesquisa seguem abaixo:
- A maior parte dos alunos disse que estudou menos no ensino remoto. Contudo, esta percepção foi mais notável entre estudantes do ensino público: 75% compartilharam desta opinião. Já entre alunos da rede privada, 58% acharam que estudaram menos e 26% não viram diferença entre presencial e remoto.
- A média de horas de estudo variou quase uma hora entre ensino público (3,18 horas) e rede privada (4,29 horas). Apesar de muitos alunos terem participado de atividades extra curriculares, os estudantes das escolas privadas estiveram mais presentes: 55% disseram ter participado da maioria dessas atividades contra 30%, na escola pública.
- Sobre as condições da residência para o ensino remoto, metade dos jovens que estuda em escolas públicas contava apenas com o celular para acompanhar as aulas online. Nesse perfil, 25% não tinham acesso à banda larga e dependiam do banco de dados da operadora, que não necessariamente durava o mês todo. Dois terços dos estudantes da rede pública disseram que não tinham um espaço adequado para assistir às aulas nem receberam nenhum apoio do governo estadual ou municipal, como internet ou equipamento eletrônico para tal finalidade.
- Apesar disso, a qualidade do ensino remoto foi considerada mediana (entre bom e regular para a maioria dos adolescentes). Porém, os alunos de escola pública foram mais críticos – aproximadamente 1/3 considerou “ruim ou péssimo”, sobretudo, entre o público feminino, quando essa crítica foi mais representativa.
- Em função do período de coleta de dados (julho de 2021), o ensino presencial ainda não estava efetivado na maioria das regiões brasileiras, especialmente nas escolas públicas (apenas 16% dos estudantes já haviam voltado às salas de aula da rede pública à época, contra 43% dos alunos de escolas privadas).
- Mais da metade dos jovens revelou que o lado emocional (ansiedade, estresse, tédio etc.) atrapalhou os estudos na pandemia, mas os alunos de escolas públicas acrescentaram uma dificuldade mais comum em seu dia a dia: metade dos estudantes do ensino público teve de assumir as tarefas domésticas ou procurar um emprego para ajudar a família.
- Com relação aos dados por região, foi verificado que os adolescentes do ensino público, das regiões Sul e Sudeste, têm uma situação pouco mais confortável que aqueles que residem nas regiões Nordeste e Norte (principalmente), onde a vulnerabilidade econômica e social é maior.
A pesquisa completa está disponível aqui.