Por Carmela Zigoni, assessora política do Inesc
O genocídio da juventude negra é um grave problema em nossa sociedade. Estima-se que anualmente são assassinados cerca de 28 mil jovens no país. Destes, 77% são negros (em torno de 20 mil/ano)[1]. A violência contra esta população não regrediu no período de crescimento econômico e pleno emprego experimentado poucos anos atrás, quando políticas de distribuição de renda, segurança alimentar e inserção nas universidades foram implementadas no Brasil, melhorando a vida das camadas mais pobres da sociedade.
Os movimentos sociais negros, antirracistas, de mulheres e de mães têm reivindicado o fim deste massacre, mas o Estado não tem dado conta de responder de forma efetiva. Longe de ser um problema pontual, o genocídio dos jovens negros é reflexo do racismo estrutural e institucional, coloca em xeque ideais de solidariedade e igualdade, e impacta o tipo de sociedade que estamos construindo para as próximas gerações. Como bem questionou Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, executada em março deste ano por defender os direitos humanos de jovens de favelas e policiais no Rio de Janeiro, “Quantos mais terão que morrer para que essa guerra acabe? ”.
Buscamos, assim, avaliar como as propostas das 13 candidaturas à Presidência da República abordam o tema do genocídio da juventude negra (ou extermínio, ou violência letal contra jovens negros), considerando principalmente a política de segurança pública, mas também políticas sociais que impactam as comunidades mais pobres. A análise também abordou a política de austeridade fiscal que resultou em uma mudança constitucional (EC95/Teto de Gastos) e impedirá o financiamento de muitas promessas de campanha, impactando os direitos da juventude negra.
Juventude, violência e racismo
Para começar, os planos de governo dos candidatos e candidatas à Presidência da República neste tema podem ser divididos em dois blocos: aqueles que reconhecem a existência do racismo no Brasil e aqueles que invisibilizam parcial ou completamente esta agenda. Os candidatos que nem mesmo mencionam que o racismo existe no Brasil são: Álvaro Dias (PODEMOS), Cabo Daciolo (PATRIOTA), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoedo (NOVO) e José Maria Eymael (PSDC) – os mesmos que também não falam em mulheres, quilombolas e indígenas (o plano de Bolsonaro menciona as mulheres uma única vez em um gráfico sobre índice de estupros no Brasil).
Os que reconhecem que os jovens negros são as maiores vítimas da violência no Brasil são: Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB), João Goulart Filho (PPL), Lula/Haddad (PT), Marina Silva (REDE) e Vera Lucia (PSTU); Geraldo Alckmin (PSDB) menciona a “violência racial” como algo a ser superado, mas não a relaciona com a juventude ou com segurança pública. Os únicos candidatos que utilizam o conceito ‘genocídio da juventude negra’ (ou “extermínio da juventude negra”), dialogando, portanto, com as pautas dos movimentos sociais e organizações de defesa dos direitos humanos são Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia.
Segurança Pública
No que se refere à política de segurança pública, podemos observar planos que consideram a prevenção, repressão e punição; e aqueles que focam somente na repressão e punição. A integração das forças de segurança parece ser o único consenso entre os candidatos. Muitos deles assimilaram a necessidade de maior participação do Governo Federal nesta política, ainda que a responsabilidade seja dos Estados, na medida em que o problema é complexo e urgente, exigindo um esforço coletivo para soluções. O que difere é que alguns candidatos pensam em fazer reformas apenas em nível de forças policiais (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Jair Bolsonaro, João Amoedo e José Maria Eymael); outros acreditam que é preciso envolver a sociedade, ou seja, as organizações e movimentos sociais, as universidades e, principalmente, os moradores de comunidades pobres, grupo mais afetado pela violência (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles, João Goulart Filho, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia).
Todas as propostas abordam a vigilância das fronteiras como parte da repressão ao tráfico de drogas: o Brasil é o principal país de passagem para drogas que são enviadas à Europa e África. Todos falam em combater as facções criminosas que comandam presídios, e alguns candidatos destacam a necessidade de monitorar as transações financeiras para identificar fluxos ilícios como forma de combate ao crime organizado: o tráfico de drogas é um mercado internacional que movimenta cerca de 320 bilhões de dólares ao ano. A maioria das propostas cita o investimento em inteligência, no entanto, diferem bastante na forma como usar as informações, se para criminalização de pobres e de movimentos sociais, ou para aperfeiçoar as investigações e reduzir a violência no sistema como um todo.
Os candidatos que defendem a superação do modelo de encarceramento de massa são: Guilherme Boulos, Lula/Haddad, Marina Silva e Vera Lucia. João Goulart Filho propõe investir na ressocialização do apenado. Ciro Gomes e Cabo Daciolo denunciam a superlotação de unidades carcerárias de delegacias, e defendem a redistribuição de presos no sistema penitenciário. Henrique Meirelles propõe construir mais penitenciárias. João Amoedo sugere a celebração de parcerias público-privadas para gestão de presídios e retirada de direitos dos apenados, como indultos e saídas temporárias. Jair Bolsonaro promete “prender e deixar na cadeia”, assim como o fim da progressão de penas e saídas temporárias.
É importante registrar que muitas das propostas de reformas ou melhorias já estão previstas na Lei Nº 13.675 de 2018 que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), por meio do Plano Nacional de Segurança Pública, com participação da sociedade civil, por meio de conselhos, e implantação de um sistema de dados para monitoramento e incremento da inteligência. Marina Silva, por exemplo, propõe a criação de diversas medidas que já existem, além das anteriores, a Política Nacional de Alternativas Penais e um Programa de Apoio aos Egressos do Sistema Prisional – resta saber como serão realidade no contexto de corte de gastos sociais impostos pela EC95, medida que a candidata não se propõe a discutir.
Mudanças na legislação
O candidato que propõe a revisão do Estatuto do Desarmamento é Jair Bolsonaro, e os que se declaram totalmente contra a ampliação do porte de armas por civis são Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad. Marina Silva menciona o controle de armas, mas não se posiciona em relação à flexibilização. Jair Bolsonaro também é o único a defender a redução da maioridade penal para 16 anos. Os candidatos que declaram apoio ao fim dos Autos de Resistencia são Guilherme Boulos e Lula/Haddad. Sobre a descriminalização das drogas como forma de regulamentar o comércio e reduzir a violência e a corrupção decorrentes do tráfico, Guilherme Boulos, Lula/Haddad e Vera Lucia se posicionam a favor de realizar este debate.
Prevenção à violência e promoção dos direitos da juventude negra
Com relação ao financiamento das políticas sociais como prevenção à violência, podemos dividir os planos entre aqueles que deixam claro que sem financiamento é impossível garantir políticas públicas (saúde, educação, assistência social, direitos de mulheres, etc.), sendo necessário trabalhar pela revogação da EC95/Teto de Gastos (Ciro Gomes, Guilherme Boulos, João Goulart Filho, Lula/Haddad e Vera Lucia); e aqueles que prometem políticas sociais sem dizer de onde vão sair os recursos, propondo a redução de impostos e/ou privatização de serviços e empresas públicos (Álvaro Dias, Cabo Daciolo, Geraldo Alckimin, Henrique Meirelles, Jair Bolsonaro, João Amoedo e Marina Silva).
As candidaturas que propõem ações de prevenção a partir do fortalecimento das expressões culturais da juventude negra e da cultura periférica, como slams, saraus, Hip Hop, etc., são as de Ciro Gomes e Guilherme Boulos; Lula/Haddad se referem ao “fortalecimento da cultura popular”; Marina Silva menciona “investimento em atividades culturais”; João Goulart Filho ressalta o fortalecimento de “produções culturais locais” e de “artistas independentes”. Os demais não veem a cultura como forma de prevenção da violência, combate ao racismo e promoção dos direitos da juventude negra.
Direitos humanos de policiais
Sabemos que os policiais que recebem menos e atuam na linha de frente também morrem, ainda que os números sejam muito menores do que as mortes de jovens. De acordo com o Observatório da Intervenção, as mortes de policiais aumentaram após a intervenção federal no Rio de Janeiro – assim como os registros de crimes como roubos de cargas –, demonstrando que aumento do efetivo e ostensividade não contribuem, necessariamente, com a diminuição da violência e o combate ao crime. As propostas que mencionam a valorização da profissão e melhoria nas condições de trabalho são as de Cabo Daciolo, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Lula/Haddad.
Guilherme Boulos e Lula/Haddad são os únicos a propor a desmilitarização das polícias. Geraldo Alckimin, na direção oposta, sugere a criação de uma Guarda Nacional militar, uma espécie de PM Federal. Em 2014, uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública demonstrou que 77% dos policiais são a favor da desmilitarização.
[1] Fonte: https://anistia.org.br/imprensa/na-midia/exterminio-da-juventude-negra/