Por Matheus Magalhães, Grazielle David e Alessandra Cardoso*
Se o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2019 for aprovado da maneira como foi enviado ao Congresso na última sexta-feira (31/8), a próxima gestão do Executivo vai começar o mandato em uma situação de extrema instabilidade financeira. Isso porque, para não descumprir a “regra de ouro” da Constituição, o atual governo está propondo condicionar R$ 234,2 bilhões de despesas obrigatórias – entre elas, 41,4% dos recursos da Previdência – à aprovação do Legislativo por maioria absoluta no ano que vem.
O Projeto, que define a autorização de despesas para 2019, deve ser discutido e aprovado pelo Legislativo, podendo sofrer alterações até o fim do ano. Contudo, as diretrizes que nortearam sua elaboração dificilmente serão modificadas, pois o orçamento é planejado e executado obedecendo às metas definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), já aprovada pelo Congresso. E como havíamos alertado em análise anterior, a LDO 2019 é composta por uma grave contradição entre o Teto de Gastos, instituído pela Emenda Constitucional 95, e a “regra de ouro” das finanças públicas, prevista no artigo 167, inciso III da Constituição.
A “regra de ouro” proíbe a emissão de dívida para pagamento de despesas correntes, ou seja, para custeio de serviços públicos. Dessa forma, só é passível de endividamento a realização de investimentos. Já o Teto de Gastos limita as despesas primárias, tanto os investimentos quanto o custeio dos serviços públicos. Como boa parte das despesas de custeio são obrigatórias, ao contrário dos investimentos, o governo acaba diminuindo este último. Porém, ao reduzir investimentos, se limita na possibilidade de emissão de novos títulos da dívida, medida necessária frente ao déficit fiscal e a falta de receita para cobrir as despesas previstas. Essa é a contradição entre as duas regras fiscais: uma inviabiliza o cumprimento da outra, fazendo com que o governo tenha que escolher qual irá obedecer ou cancelar.
E é justamente neste ponto que o PLOA 2019, seguindo o que ocorreu com a LDO 2019, torna-se inconstitucional. Porque está sendo elaborado com um desiquilíbrio orçamentário, sem ter receita certa para cobrir os gastos previstos. Apesar da “regra de ouro” permitir a abertura de crédito adicional durante o ano que vem para despesas que estejam com falta de recursos financeiros, ela não permite que as leis orçamentárias sejam elaboradas sem o equilíbrio entre receitas e despesas.
Ignorando esse fato, o governo de Temer entregou ao Legislativo uma proposta de orçamento que atrela R$ 258,2 bilhões em despesas à autorização de créditos suplementares pelo Congresso Nacional. Uma burla explícita à “regra de ouro”.
Agravando o cenário, desse montante, R$ 234,2 bilhões são despesas obrigatórias, onde se incluem 41,4% das aposentadorias e pensões urbanas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e metade do pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), como se pode verificar no quadro a seguir. A estratégia utilizada para separar essas despesas “condicionadas” foi a criação de um novo órgão orçamentário: 93000 “Programas condicionados à aprovação legislativa prevista no inciso III do Art. 167 da Constituição (regra de ouro)”.
Quadro: Programas com o orçamento condicionado à aprovação de créditos suplementares pelo Congresso.
Outros programas de grande importância para a população, como o Bolsa Família, e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – responsável por cerca de 70% dos alimentos consumidos no país – também se encontram com metade do custeio comprometido.
Esse projeto impõe uma enorme instabilidade financeira para o país no próximo ano, já que condiciona um grande volume de despesas obrigatórias a receitas incertas, empurrando para o governo seguinte um orçamento praticamente sem possibilidade de gestão, em um contexto político e econômico tão adverso como o atual. E mais: o maior volume de despesa com receita condicionada refere-se a um direito individual, que é o previdenciário. A intenção por trás dessa escolha pode ser a de ‘amarrar’ o Legislativo: ou aprovam os projetos de lei de abertura de crédito adicional ou terão que aprovar uma proposta de reforma da previdência. Além de inconstitucional, o atual texto do PLOA 2019 tenta dar um ‘xeque-mate’ no Legislativo e no direito previdenciário de milhares de brasileiros.
É ainda importante destacar que esse ajuste fiscal é seletivo, uma vez que o Teto de Gastos se mantém como regime fiscal que dita todas as possibilidades de atuação do poder público, enquanto as despesas financeiras continuam intocáveis, e praticamente inquestionáveis no cenário do debate das finanças públicas.
O próprio PLOA 2019, que tenciona as despesas primárias, planejando diminuir investimentos e custeio das políticas públicas, não justifica ou discute as despesas da esfera financeira. Se por um lado há a previsão de redução de 13,4% nas despesas do Poder Executivo em relação a 2018 (R$ 1.099,9 bilhões), as despesas com juros da dívida pública estão planejadas em R$ 378,9 bilhões, 19,8% a mais do que no ano anterior – despesas essas que não são limitadas pelo Teto de Gastos.
Considerando o período eleitoral, a distribuição de recursos entre ministérios e programas de governo provavelmente será alterada após o resultado das eleições, quando a candidatura eleita deve negociar adequações orçamentárias com os parlamentares para implementação de seu plano de governo.
A expectativa é que essas alterações venham a corrigir, por exemplo, as previsões de retração de 10,9% para ciência e tecnologia, 26,5% para o fortalecimento da agricultura familiar, 30,1% nas políticas para as mulheres, além dos desmontes de 37,1% para o saneamento básico, 41,7% para mobilidade urbana, e 58,9% para promoção da igualdade racial.
Em mais uma oportunidade, o planejamento orçamentário se depara com a inviabilidade que o Teto de Gastos trouxe às finanças nacionais, de forma absolutamente excepcional em todo o mundo. Não somente a gestão mesma dos recursos públicos e do Estado brasileiro, mas a efetivação dos direitos mais fundamentais estão, cada vez mais, condicionados à revogação da EC 95.
*Assessores políticos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)