Renovação na política: o que diz a distribuição dos recursos?

29/09/2022, às 11:38 (atualizado em 14/03/2023, às 13:33) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Cristiane Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc
Membro do colegiado de gestão do Inesc questiona a distribuição de recursos para as campanhas eleitorais e mostra como isso afeta a renovação na política e a inclusão de grupos subrepresentados no poder.
Mulheres marcham em Copacabana para celebrar dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha durante a 3ª Marcha das Mulheres Negras no Centro do Mundo
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Mais mulheres no poder, mais pessoas negras, indígenas, LGBTQIAP+ ocupando a política! Seja nos partidos do espectro da direita, do centro ou da esquerda, todos têm se utilizado de algumas ou todas essas e outras bandeiras sociais que reivindicam maior pluralidade e diversidade na política brasileira. Cotas de candidaturas de mulheres e porcentagem de recursos, também para pessoas autodeclaradas negras com prazo definido para repasse do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), são algumas das normativas criadas para que os partidos não só respeitem as regras de distribuição equitativa do Fundo, mas demonstrem vontade política nessa distribuição. Assim como em 2018, faltando tão poucos dias para a decisão das eleições de 2022, tanto candidaturas femininas quando de pessoas negras denunciam que os repasses não foram integralmente repassados pelos partidos. Assistiremos a mais uma anistia?

A distribuição dos recursos públicos dos partidos, bem como as doações, que poderíamos destacar como apoio da sociedade civil, uma vez que só podem ser feitas por pessoas físicas, traduzem essa “vontade política” por mais diversidade e representatividade no poder? Renovação no poder poderia ser definida pela entrada e permanência de pessoas que, historicamente, não atuavam na política institucional até os últimos anos? O que seria elemento fundamental para que a pluralidade das candidaturas refletisse a pluralidade de pessoas efetivamente eleitas e eleitos? Podemos concordar que recurso financeiro é um investimento político importante para que essa realidade se materialize?

Vamos aos recursos!

Há 5 dias das eleições, das 29.555 candidaturas registradas, 7.067, ou 24%, não declararam recebimento de nenhum recurso financeiro público (FEFC) para suas campanhas. No que se refere às doações às campanhas, dos quase de R$ 680 milhões doados por pessoas físicas, apenas 13% ou aproximadamente R$ 89 milhões foram destinados a candidaturas de mulheres, e 4% ou pouco mais de R$ 26 milhões foram destinados a candidaturas pretas. Esse dado só reforça a importância da existência de um fundo público que busque garantir a distribuição mais equitativa dos recursos, também construindo regramentos que incidam no repasse feito pelos partidos políticos.

Alguns números nos ajudam a debater sobre a distância entre o discurso da renovação e a distribuição de recursos financeiros. De acordo com o levantamento da Plataforma 72horas, até 27 de setembro de 2022, enquanto 10.612 candidaturas que pleiteiam a cadeira de deputada(o) estadual declararam o recebimento de pouco mais de R$1 bilhão, as 10.648 candidaturas que disputam as 513 cadeiras da Câmara Federal declararam aproximadamente R$2,5 bilhões.

Considerando então o investimento maior dos partidos nas candidaturas a deputado(a) federal, como a divisão dos recursos vem sendo realizada e como podemos utilizá-la como lente para pensarmos sobre renovação ou manutenção de espaços do poder institucional?

Ainda de acordo com a Plataforma 72 horas, das 10. 628 candidaturas que estão na disputa pela Câmara Federal, 448 disputam a reeleição pelas 513 cadeiras. Ou seja, 4,2% do total de candidaturas são para reeleição, e correspondem a 87,3% das cadeiras. Quando analisamos a distribuição de recursos, as candidaturas a reeleição declararam até o momento o recebimento de R$747.417.252, sendo 61 candidatas e 367 candidatos, que somados às 2 candidatas e 18 candidatos que não declararam recebimento do Fundo Especial, totalizam 448 candidaturas. Numa conta simples, que sabemos não ser assim, significa dizer que cada candidata e candidato à reeleição para a Câmara Federal recebeu em média, até o momento e subtraídas as 20 candidaturas que declararam não terem recebido nada, R$1,7milhão.

Já às candidaturas que não concorrem à reeleição, que totalizam 7.207 dividem o recurso de R$ 1,7 bilhão, o que significaria, também utilizando a divisão igualitária, caso o fosse, uma média de R$ 239 mil.

Consideremos então as candidaturas à reeleição. Antes, é importante destacar que a lente a ser utilizada nesta leitura não pode ser a da igualdade, pois como bem sabemos, a desigualdade estrutural da sociedade brasileira nos convoca a agir de maneira equitativa, quando consideramos a correlação desigual de forças que resultam na permanente ocupação dos lugares sociais e políticos de poder por uma

parcela masculina, branca e cisheteronormativa da sociedade. Sendo assim, quando nos referimos à reeleição, é preciso destacar que a recente história de ocupação de mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIAP+ na política institucional não pode, nem de longe, ser considerada “manutenção de poder”, visto que são grupos recém-chegados nesses espaços.

Dito isso, vamos verificar o que os dados nos dizem. Das candidaturas à reeleição, no que se refere à raça/cor, 312 das 428, ou 72,89% das pessoas que receberam recursos, são brancas, 114, ou 26,63%, são  pessoas negras, 01 ou 0,23%, é indígena e 01 ou 0,23% é amarela. No que se refere ao gênero, são 367 homens, ou 86%, e 67 mulheres, ou 14%.

Infelizmente, a luta por maior representatividade na política, ainda se restringe às cotas das candidaturas e não efetivamente ocupação de cadeiras, o que seria um passo fundamental para começarmos a falar de um impacto real rumo a equidade e reparação histórica da sociedade brasileira com os povos originários, com a população negra e com as mulheres no Brasil.

Categoria: Artigo
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