Lula reúne as condições para eleger-se presidente do Brasil - INESC

Lula reúne as condições para eleger-se presidente do Brasil

03/10/2022, às 19:07 (updated on 12/08/2025, às 11:02) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Nathalie Beghin, Coordenadora da Assessoria Política do Inesc
https://pt.org.br/lula-a-luta-continua-ate-a-vitoria-final/
Lula na avenida Paulista depois do primeiro turno, 02 de outubro de 2022.

Ontem, 02 de outubro de 2022, aconteceu o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil. Pouco depois das nove da noite tínhamos o veredito: haveria segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Fomos pegos de surpresa pela quantidade expressiva de votos que o candidato-presidente recebeu, 43%, mais do que anunciavam todas as pesquisas de opinião publicadas nos últimos tempos. Passado o susto, e analisando com mais calma os resultados, avaliamos que é bem possível Lula ganhar em 30 de outubro próximo.

No começo da apuração e até a abertura de pouco mais de 50% das urnas, Bolsonaro estava liderando o pleito. Quando Lula assumiu o primeiro lugar, a diferença era pequena e, finalmente, Lula alcançou 48% dos votos contra 5 pontos percentuais a menos para Bolsonaro. Além disso, ministros que haviam sido responsáveis por uma gestão desastrosa no governo federal elegiam-se como parlamentares: o general Pazuello, o pior ministro da Saúde que este país já teve, que foi um desastre na gestão da pandemia, foi o deputado federal mais votado no estado do Rio de Janeiro; Ricardo Salles, o ministro de Meio Ambiente que incendiou a Amazônia e flexibilizou as normas ambientais, encontra-se entre os deputados federais mais votados do estado de São Paulo, teve muito mais votos que Marina Silva, que também foi ministra do Meio Ambiente e que é uma ambientalista mundialmente conhecida; Damares Alves, ministra da Família e dos Direitos Humanos, uma pastora antidireitos e antifeminista, levou a vaga para o Senado do Distrito Federal. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, passa a ocupar a vaga de Senador no Rio Grande do Sul e, o ministro de Infraestrutura, Tarcisio de Freitas, responsável pelas privatizações do governo Bolsonaro, está a poucos votos de ser o governador do Estado de São Paulo.

Percebeu-se que o bolsonarismo possui raízes muito mais profundas do que imaginávamos. Ficamos atônitos com o fato de a população eleger aqueles e aquelas que são responsáveis por suas péssimas condições de vida: 63 milhões de pessoas pobres, 33 milhões de pessoas passando fome, 35 milhões de subempregados e desempregados, 40 milhões de trabalhadores informais e quase 700 mil pessoas mortas por Covid-19, entre tantas outras mazelas.

A brutal desigualdade que caracteriza o país pode explicar parte desse resultado – no Brasil o 1% mais rico se apropria de metade da renda nacional – associada à grande parte da população que vive na absoluta incerteza, não sabe se vai ter trabalho, comida ou casa no dia seguinte. Vive com medo da polícia, das milícias do campo e da cidade e do tráfico: todo ano, morrem mais de 40 mil pessoas assassinadas. Esse temor e a falta de confiança nas instituições – os governos, o sistema de justiça, os políticos e o movimento sindical, entre outras – que pouco ou nada trazem de bom na sua percepção, contribuem para que as pessoas se refugiem em espaços onde se sentem seguras, a família e as religiões cristãs. E, essas dimensões são muito bem exploradas pela extrema direita.

Outra possível explicação é que esse estado de permanente insegurança acaba acirrando o individualismo e o salve-se quem puder, minando os valores de solidariedade, fraternidade e igualdade, bases de estados de bem-estar social. Esse mal estar, tão bem traduzido por Zigmunt Bauman no seu conceito de modernidade líquida, não só aflige brasileiros como muitos outros povos. Em parte explicaria o crescimento da extrema direita nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Hungria, Polônia, Suécia e agora na Itália com a eleição de Giorgia Meloni, uma fascista declarada.

Soma-se a isso a existência de uma elite acostumada a saquear e que nunca se importou com a miséria. Ao contrário, precisa dela para enriquecer ainda mais. Para tal, explora mão de obra pagando salários aviltantes, desmata nossos biomas, invade terras indígenas e terras públicas, captura as instituições públicas para que trabalhem ao seu favor. O projeto defendido por Lula ameaça esses privilégios.

A extrema direita construiu discursos e meios para veiculá-los, sem qualquer vergonha e pudor, porque inventam, mentem e distorcem os fatos, que dialogam com as incertezas de grande parte da população e que tranquilizam os abastados.

Mas, existem boas notícias. Lula tem atualmente mais de 5 milhões de votos de vantagem em relação à Bolsonaro, falta muito pouco para chegar na metade mais um dos votos válidos. Lula ganhou entre os empobrecidos e no Nordeste do Brasil e o PT elegeu no primeiro turno três governadores, podem aumentar essa base no segundo turno. Os parlamentares da federação partidária Brasil da Esperança que apoiam Lula aumentaram sua presença no Congresso Nacional. Ademais, Lula possui uma energia fora do comum e uma capacidade de mobilizar e dialogar como poucos. Como ele mesmo disse, nunca foi fácil e quando ganhou foi sempre no segundo turno.

Agora é hora de explicar o que será feito concretamente para melhorar as condições de vida das pessoas e dialogar para aumentar os votos contando com nosso apoio. Isso Lula sabe fazer e, assim, a esperança voltará ao Brasil em 30 de outubro, no segundo turno das eleições.

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Em 10 anos, representatividade racial avança pouco na política

01/11/2024, às 21:31 (updated on 02/04/2025, às 15:46) | Tempo estimado de leitura: 13 min
Após uma década de luta, resultado nas urnas revelam que o racismo e sexismo à brasileira são imunes às medidas do TSE em prol da equidade na política
Foto: divulgação campanha "Eu voto em negra"

Após 10 anos de lutas históricas dos movimentos negros e feministas pela equidade racial e de gênero nos cargos políticos, a representatividade de mulheres e pessoas negras nos poderes Legislativo e Executivo ainda registra avanços limitados no Brasil. A população negra ocupava, em 2016, 42,1% das cadeiras no Legislativo e 29,2% no Executivo Municipal. Nas últimas eleições, esses percentuais chegaram a 45,9% e 33,5%, respectivamente. No Congresso Nacional, enquanto 20% dos deputados e senadores eram negros, em 2014, essa população representava, em 2022, 26,2% do legislativo federal. A análise faz parte de um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o coletivo Common Data.

2014: autodeclaração de raça das candidaturas

Para Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, o ano de 2014 foi icônico para as organizações e movimentos antirracistas, em virtude da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de exigir que os candidatos informassem sua raça no momento do registro. “A inclusão da autodeclaração racial foi um passo essencial para que tivéssemos dados objetivos sobre a presença de pessoas negras nos espaços de poder”, afirma ela. “Com isso, ficamos mais próximos de entender e enfrentar as desigualdades que ainda tornam a política brasileira tão homogênea e predominantemente branca.”

Naquele ano, foi possível constatar o tímido percentual de candidaturas da população negra, bem como o baixíssimo número de pessoas pardas e pretas que conseguiram ser eleitas, conforme os dados abaixo:

Gráfico 1. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2014, por gênero e raça/cor.

Gráfico 2. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2014, por gênero e raça/cor.

2016: tema ganha força

Em 2016, dado o impacto da coleta dos dados raciais pelo TSE, o tema da sub-representação ganhou força na sociedade. No entanto, o debate não se refletiu em mudanças concretas: para as prefeituras, menos de 1% de candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) e menos de 0,1% autodeclaradas pretas foram eleitas. Para vereança, foram eleitas 32,9% mulheres, mas somente 15,3% de mulheres negras, das quais, apenas 2,8% se declararam pretas. Nenhuma mulher negra foi eleita para chefiar as prefeituras das capitais, e apenas 32 vereadoras negras foram eleitas no universo de todas as câmaras legislativas das capitais do país.

2018: decisão sobre repasse de recursos para candidatas

Em 2018, o TSE decidiu que os partidos deveriam repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo da TV e rádio para as candidaturas femininas. Do total de candidaturas para todos os cargos, 69% eram homens e 31% mulheres. No comparativo com a eleição de 2014, cresceu em 70% o número de candidatas que se autodeclaram pretas, e 23%  que se autodeclaram pardas, expressividade percentual que ficou conhecida como “Efeito Marielle”: as mulheres negras se apresentavam para as eleições como forma de resposta à cruel execução da vereadora negra do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL).

 

Porém, ao olharmos para o total das candidaturas, que também cresceu em 22%, a proporção de mulheres negras se manteve relativamente estável: de 13% em 2014 para 14% em 2018. O Congresso Nacional passou a ter 15% de mulheres. Dentre elas, apenas 13 deputadas negras (9 pardas e 4 pretas) e 1 senadora parda. Juntas, elas representaram 2,5% de mulheres negras no Parlamento em 2018 (um aumento de apenas 0,5% em relação a 2014).

 

Gráfico 3. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2018, por gênero e raça/cor.

Gráfico 4. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2018, por gênero e raça/cor.

2020: recursos continuam nas mãos de homens brancos

Em 2019, Benedita da Silva realizou consulta ao TSE para distribuição proporcional dos recursos do FEFC para pessoas negras, o que foi acatado pelo TSE em 2020, com aplicação naquele mesmo ano.  Das mais de 88 mil mulheres negras candidatas naquele ano, 4,5% (4.026) foram eleitas (3.510 pardas e 516 pretas). As mulheres venceram em 12,1% dos municípios (659), e destas, 32% eram mulheres negras e 66,5% brancas. Para o cargo de vereadora, foram 16% de mulheres eleitas, das quais, 39,3% eram negras e 59% brancas.

Faltando duas semanas para as eleições de 2020, as mulheres pardas receberam 52% a menos de recursos que as mulheres brancas, e as mulheres pretas menos da metade de recursos do que as pardas. Os homens brancos receberam 10 vezes mais do que os homens pretos, e os homens pardos 61,5% menos que os homens brancos. No grupo de candidaturas pretas, 616 homens e 316 mulheres não receberam recurso algum. Ao final do pleito, a distribuição dos recursos não foi cumprida pela maioria dos partidos, alguns não cumpriram a cota de gênero, outros a cota racial, outros ambas, como apontam os dados do relatório da Plataforma 72 Horas. No cômputo geral, as pessoas autodeclaradas brancas ficaram com 72% dos recursos e os homens com 73,4%.

Além disso, identificou-se que os partidos demoraram mais de 15 dias, do início do cronograma oficial para liberação dos recursos, para realizar o repasse financeiro para mulheres e pessoas negras, alegando problemas de “adequação interna”. A punição para essa “inadequação” dos partidos simplesmente não existiu, pois foi aprovada uma anistia no Congresso Nacional eximindo os partidos de multas pelo não cumprimento da decisão do TSE (PEC 18/2021). Para coibir essa prática nas eleições seguintes, o TSE determinou que os partidos seriam obrigados a repassar, um mês antes das eleições, 100% do recurso da cota de gênero e raça/cor às candidaturas de mulheres e pessoas negras.

Em 2022, a Câmara dos Deputados passou a contar com 91 mulheres (17,7%) e 422 homens (82,3%), sendo 13 mulheres pretas e 16 pardas, o que representou 5,7% de mulheres negras no parlamento (o dobro de 2018). No Senado, foram eleitos 23 homens (85,2%) e 4 mulheres (14,8%). Entre os homens, apenas 6 (22,2%) homens negros (3 pretos + 3 pardos), e as 4 (14,8%) mulheres eleitas senadoras eram brancas. No cômputo geral, o Congresso Nacional, alcançou 17,6% de mulheres eleitas em 2022.

Gráfico 5. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2022, por gênero e raça/cor.

 Gráfico 6. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2022, por gênero e raça/cor.

2024: retrocessos e anistia aos partidos

O ano de 2024 manteve os retrocessos: a aprovação da PEC 9/2023, uma nova anistia aos partidos, consolidou um processo de recorrentes perdões àqueles que descumprem a regra de distribuição dos recursos. Além disso, um grupo de partidos (PT, Solidariedade, PSD, PSOL e PSB) solicitou extensão de prazo para repasse de recursos para mulheres e pessoas negras, alegando “dificuldades técnicas”, e antecipando o que já é a regra na prática: os partidos políticos não repassam os recursos de acordo com as regras estabelecidas pelas cotas de gênero e raciais.

Os resultados também não foram animadores. Considerando todos os cargos, foram eleitos em 2024, 54,6% brancos, 37,8% pardos e 6,4% pretos (ou seja, 44,2% de pessoas negras). As pessoas negras representam 33,5% de eleitos(as) na prefeitura e 45,8% para vereança. As prefeituras serão chefiadas por mulheres em apenas 13,2% dos municípios (729 eleitas + 5 sub judice), mas apenas 243 (4,3%) mulheres negras chegaram a esse cargo.

Das 79 mil (34,2%) mulheres negras candidatas para todos os cargos em 2024, 5.006 (6,3%) foram eleitas, ou 7,2% se considerarmos o total de eleitos. Isso é um aumento de 1,4% da proporção de mulheres negras eleitas em relação a 2020, quando tivemos 4,9% (4.254) de mulheres negras eleitas, ou 6,1% do total. Considerando 2016, o aumento foi de 2,5%, ou 4,8% do total de eleitos.

Os homens negros representaram, em 2024, 33,9% do total de candidaturas para todos os cargos, sendo 23,4% eleitos, 38,4% para vereador e 29,3% para prefeitos. Isso é um aumento de 10,2% da proporção de homens negros eleitos em relação a 2020, quando tivemos 13,2% dos homens negros eleitos em 1º turno, ou 35,5 do total de eleitos. E, considerando 2016, o aumento foi de 8,4% ou 35,6%do total de eleitos.

Considerando homens e mulheres, e perfil raça/cor, os prefeitos brancos eleitos são quase o dobro dos negros (pretos+pardos). Se considerarmos somente a cor/raça preta, a proporção é de mais de 28 brancos para 1 preto nas eleições de 2024.

Gráfico 7. Proporção de eleitos para as câmaras legislativas por raça/cor (2024)

“Se olharmos o espectro ideológico dos partidos, se tem pouca diferença entre esquerda, centro e direita”, avalia Cristiane Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc. “Além disso, são justamente estes corpos que são as maiores vítimas de violência política de gênero e raça, seja durante a corrida eleitoral, seja quando são eleitos.” Para ela, os avanços risíveis nessa série histórica de 10 anos (2014 a 2024) “demonstram a decidida posição do racismo e sexismo à brasileira. A mesma legislação que criminaliza e encarcera jovens negros, que não atua diante do crescente número de feminicídio de mulheres negras, que não pune a violência política racial e de gênero, ou seja, que não enfrenta de forma efetivas as estruturas que sustentam as desigualdades raciais e de gênero, é àquela que impede que pessoas negras, sobretudo mulheres, de chegarem aos espaços de poder e decisão institucional”.

>>> Leia também:  Dez anos depois, o quanto as pessoas negras ocuparam a política?

>>> Leia mais: A população negra decide sobre a própria história? Os dados demonstram que não

 

 

 

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