Carmela Zigoni, assessora política do Inesc
Nailah Veleci, consultora em Estatística
A eleição de novas candidaturas, de várias matizes ideológicas do espectro político, foi a tônica do 1º turno das Eleições 2018. Mas ainda que a chamada “renovação política” tenha implicado mudanças na correlação de força dos partidos, a representatividade continuou muito aquém da realidade da sociedade brasileira. Um exemplo disso é que das 13 mulheres que disputavam o governo nos estados, nenhuma foi eleita no primeiro turno e apenas uma ainda concorre no segundo.
Contudo, é importante destacar que o assassinato político da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e as manifestações dos movimentos de mulheres e negros impactaram uma mudança no pleito. Estatisticamente discreta, é verdade, mas simbolicamente forte. Como apontamos em recente artigo, o número de mulheres que se autodeclararam pretas para todas as candidaturas aumentou 70% em relação a 2014. Do Rio de Janeiro veio uma vitória esperançosa: três ex-assessoras de Marielle foram eleitas deputadas estaduais.
O processo eleitoral ainda não terminou. É preciso que eleitoras e eleitores estejam atentos aos resultados do primeiro turno e em como a representatividade ainda é um desafio para nossa jovem democracia.
Retrato do Congresso Nacional
Se considerarmos o Parlamento como um todo (deputados federais e senadores), o Congresso Nacional terá 15% de mulheres nos próximos quatro anos, um aumento importante em relação a 2010 (9%) e 2014 (10%), mas muito aquém da cota de 30% de candidatas – e pior ainda considerando que metade da população brasileira é composta de mulheres. Em números absolutos, dos 567cargos, foram eleitas somente 84 mulheres frente a 483 homens.
Para o cargo de deputada federal, foram eleitas 77 mulheres, representando 15,01% do total, um aumento de 50,9% em relação a 2014, quando foram eleitas 51 mulheres.
No Senado, a proporção entre homens e mulheres eleitas diminuiu: em 2014 foram ocupadas 27 vagas de senadores, 5 delas por mulheres, representando 18,5%. Agora, com a renovação de 54 vagas, serão 7 mulheres (13%) e 47 homens (87%), ou seja, um aumento de 40% de senadoras eleitas, mas uma queda de 5% em relação a eleição geral para o Senado.
Entre as deputadas federais eleitas, serão 13 negras (4 pretas e 9 pardas), além de 1 senadora parda: juntas, elas representarão 2,5% de mulheres negras no Parlamento, um aumento muito pequeno em relação a 2014, quando 11 se declararam negras – 10 na Câmara e 1 no Senado, ou seja, 2% do total de eleitos.
Considerando homens e mulheres, o Senado contará com 14 negros, representando 26% da casa (3 pretos – 5,6%; 11 pardos – 20,3%); e a Câmara com 126 deputados federais negros (24,7%, sendo 20 pretos, 4%; e 106 pardos, 20,7%). Em 2014, os negros representavam 20% do total do Parlamento.
Apenas uma indígena foi eleita deputada federal, pelo estado de Roraima. Joênia Wapichana (REDE) será a primeira mulher indígena do parlamento nacional brasileiro. Apesar dessa conquista, tivemos um retrocesso de representatividade nessas eleições, pois das 133 candidaturas indígenas para todos os cargos, apenas Wapichana obteve sucesso.
Os jovens (de 20 a 29 anos) representam 3,7% entre os eleitos para o Congresso Nacional. Neste segmento, os negros ficaram com baixíssima representação: 79% (15) dos jovens eleitos são brancos e 15,8% negros (3 pardos, nenhum preto).
Representação por partido
Os partidos que mais elegeram mulheres foram o PSL (11), PT (10) e PSDB (9); e os que mais elegeram negros foram PSL (16), PT (16), PR (12) e PRB (11). Os partidos que conquistaram vagas no Congresso, mas não elegeram nenhuma mulher, foram DC, PATRI, PMN e PSC. E os partidos que não elegeram nenhum negro, mesmo tendo cadeira no Congresso foram DC e NOVO.
Os estados que mais elegeram mulheres foram São Paulo (12), Rio de Janeiro (10) e Distrito Federal (6); e os que não elegeram nenhuma foram Amazonas e Sergipe.
Em resumo, nos próximos quatro anos teremos um parlamento de maioria masculina (85%), branca (74,7%) e na faixa etária de 45 a 59 anos (43,6%), seguindo o padrão das últimas duas eleições.
Executivo e Legislativo nos estados
Nenhuma mulher foi eleita ao cargo de governadora no primeiro turno. Para o segundo turno, temos uma mulher ainda na disputa, Fatima Bezerra, do PT do Rio Grande do Norte. Por outro lado, foram eleitas 5 vice-governadoras, representando 38,5%.
Dos governadores eleitos, 77% são brancos e 24% se declararam pardos (nenhum preto, indígena ou amarelo).
Nos cargos a vice-governador, 46% (6) dos eleitos são negros (7,7% pretos e 38,46% pardos), e destes, 5 são mulheres negras.
Para os cargos de deputado estadual/distrital, foram eleitos 163 mulheres (15,39%) e 305 negros (28,8%). O estado do Mato Grosso do Sul não elegeu nenhuma mulher.
Os partidos que mais elegeram mulheres nos estados foram PSOL (7), PSD (4) e MDB (3), e os que não elegeram nenhuma deputada estadual negra foram AVANTE, DC, NOVO, PATRI, PHS, PMB, PPL e PSC.
Nenhum indígena foi eleito para o cargo de deputado estadual/distrital. Em 2014 tivemos um indígena eleito nas Assembleias Estaduais, José Carlos Nunes (PT-ES).
Com relação à juventude, das 532 candidaturas de 20 a 29 anos para os cargos de deputado estadual e distrital, 54 foram eleitos. Destes, 19% mulheres e 22,2% negros (1 preto e 11 pardos). Os partidos que mais elegeram jovens para os cargos de deputado estadual/distrital foram PSL (6), PP (5), PRTB (4), PSD (4), SOLIDARIEDADE (4).
As mulheres negras reagem
Com campanhas inovadoras e progressistas, diversas mulheres negras se destacaram neste pleito. Em São Paulo, elegeu-se Erica Malunguinho, mulher negra e trans, para o cargo de deputada estadual; em Minas Gerais, a vereadora negra mais votada do último pleito, Áurea Carollina, elegeu-se para a Câmara Federal; no Rio de Janeiro, Monica Francisco, Dani Monteiro e Renata Souza, ex-assessoras de Marielle Franco, elegeram-se deputadas estaduais.
A única candidata preta eleita para Assembleia Legislativa de Pernambuco merece um destaque, porque na realidade trata-se de uma candidatura coletiva do PSOL, de nome Juntas, composta por cinco mulheres: Carol Vergolino, Joelma Carla, Jô Lima, Kátia Cunha e Robeyoncé Lima (primeira transexual do Norte e Nordeste do país a usar o nome social na carteira da Ordem dos Advogados do Brasil).[1]
Em um Brasil que flerta com o fascismo, estas vitórias devem ser celebradas. Um país que não consegue parar o genocídio da juventude negra e que mais mata LGBTI no mundo, onde nos defrontamos com políticos eleitos e candidatos ainda na disputa que falam abertamente em suprimir os direitos de minorias, a renovação que estas mulheres propõem à política são um respiro à nossa cidadania.
Lista de siglas dos partidos citados:
AVANTE – Avante
DC – Democracia Cristã
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
NOVO – Partido Novo
PATRI – Patriota
PHS – Partido Humanista da Solidariedade
PMB – Partido da Mulher Brasileira
PMN – Partido da Mobilização Nacional
PR – Partido da República
PRB – Partido Republicano Brasileiro
PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PSD – Partido Social Democrático
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSL – Partido Social Liberal
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade
PT – Partido dos Trabalhadores
REDE – Rede Sustentabilidade
SOLIDARIEDADE – Solidariedade
[1] Fonte: G1 Pernambuco. ‘Juntas’, cinco mulheres estreiam mandato coletivo na Assembleia Legislativa de PE. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/eleicoes/2018/noticia/2018/10/08/juntas-cinco-mulheres-estreiam-mandato-coletivo-na-assembleia-legislativa-de-pe.ghtml