Dos R$ 107 bilhões de receitas geradas pela indústria do petróleo no Brasil entre janeiro e agosto de 2022, R$ 65 bilhões (61% da renda petroleira) foram atribuídos à União. A maior parte dessa renda é oriunda da parcela apropriada na forma de royalties e participação especial, seguida da apropriação integral dos valores recebidos na forma de dividendos.
Esses números não foram os únicos achados do estudo: “Renda petrolífera estatal: valores, distribuição, usos e desafios relacionados à transição energética com justiça social”, recém-divulgado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). A análise evidencia um complexo emaranhado de regulações, fontes orçamentárias e baixa transparência sobre o uso efetivo dos recursos oriundos da renda petroleira pelo governo federal. Adicionalmente, revela uma nítida carência de visão estratégica sobre o seu destino.
Um exemplo disso é o Fundo Clima que, legalmente, deve ser contemplado com parte desses recursos, mas sua quantia anual é ínfima. Em 2022 esse Fundo recebeu apenas R$ 260 mil, o que representa 0,2% do total da renda do setor.
Uma parte da renda do petróleo é também destinada ao Fundo Social, desde 2012. A esse fundo foram destinados R$ 77 bilhões, mas o estudo mostra que a execução é historicamente muito pequena. Para o ano de 2022 foram executados R$ 5,44 bilhões com o financiamento da política de educação, sendo R$ 4,42 bilhões na forma de repasses aos demais entes por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. A parte executada diretamente pela União, no valor de R$ 1,02 bilhão, foi destinada na sua quase totalidade ao ensino superior.
Segundo o relatório do Inesc, a indústria de petróleo e gás no Brasil deverá dobrar de tamanho até 2030, chegando a uma produção e consumo de 2,89 milhões a mais de barris por dia, em comparação com 2011. “Este agressivo crescimento traz consequências ambientais, sociais e fiscais, no plano doméstico, e climáticas, em âmbito global, ainda pouco debatidas pela sociedade brasileira”, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.
Para ela, o papel do Brasil na geopolítica climática dos combustíveis fósseis ainda é pálido, em um contexto global. “De um lado, porque cerca da metade do petróleo brasileiro é exportada e as emissões oriundas dos fósseis são computadas como fonte de energia e não na produção. De outro lado, porque as emissões brasileiras oriundas do uso de combustíveis fósseis aparecem como um ‘problema menor’ – frente ao peso e ao descontrole das emissões oriundas do desmatamento e frente à narrativa superficial de que a matriz energética do Brasil está entre as mais limpas do mundo”, acrescenta a especialista.