Subsídios aos combustíveis fósseis: é preciso mais transparência

17/10/2018, às 16:55 (atualizado em 16/03/2019, às 22:54) | Tempo estimado de leitura: 10 min
Por Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc
Receita Federal precisa explicitar com clareza as metodologias utilizadas para mensuração dos gastos tributários e passar a considerar no seu cálculo a maioria dos subsídios aos combustíveis fósseis, hoje escondidos

Segundo pesquisa feita pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entre 2013 e 2017 os gastos tributários relacionados aos combustíveis fósseis alcançaram o patamar de R$ 309,36 bilhões. Isto significa que as empresas que operam no segmento de extração e refino, transporte de cargas e passageiros e geração de energia a diesel tiveram, e ainda tem, subsídios bilionários – foram R$ 58 bilhões somente em 2017. Para se ter uma ideia melhor do quanto o país deixou de arrecadar, esta quantia equivale a cerca de 16 vezes o orçamento do Meio Ambiente.

Visto assim em grandes números é difícil fazer uma análise, uma vez que o setor é muito complexo, composto por segmentos de beneficiários distintos. Para simplificar, é útil separar esses subsídios em dois grandes blocos: os voltados à produção, que mostram o quanto os governos abrem mão de arrecadação para reduzir custos para o setor; e os relacionados ao consumo que, em geral, são adotados pelos governos, seja para evitar fortes elevações nos preços dos combustíveis utilizados no transporte, seja para compensar custos mais elevados da geração de energia baseada em diesel e carvão. São questões muito distintas que exigem um tratamento também distinto.

Subsídios ao consumo: dos R$ 309,36 bilhões em gastos tributários, a maior parte é atribuída ao consumo: são R$ 225 bilhões ou 73% do total. Este valor é oriundo de duas grandes renúncias. Uma, a redução do PIS/COFINS para combustíveis que somou R$ 178,47 bilhões. Outra, a redução do CIDE combustíveis que somou R$ 46,53.

Especialistas divergem acerca da interpretação destas reduções como sendo ou não subsídios, porque a legislação que institui a cobrança deixa brechas para a aplicação de descontos. Mas, para além do debate teórico-jurídico, aplicar uma redução de alíquota em relação à alíquota vigente implica perda de receita. Esta, por sua vez, ou é compensada com outra receita, ou representa uma perda definitiva que vai impactar na redução do gasto com políticas públicas.

O melhor exemplo é a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, que findou com a negociação de um acordo para reduzir o preço do combustível em R$ 0,46 por litro. A redução foi alcançada por meio de duas medidas distintas de subsídios. Uma na forma de renúncia fiscal, por meio da zeragem da CIDE-combustíveis e corte do PIS/COFINS. Este subsídio, que corresponde a R$ 0,16 por litro, representará uma perda de arrecadação de R$ 4,01 bilhões em 2018, a qual deverá ser compensada com a redução de desonerações em outros setores. A outra, na forma de subvenção econômica, por meio de repasse de recursos do orçamento público para a Petrobras e importadoras privadas. As empresas receberão R$ 0,30 por litro de óleo diesel para praticar preços estabelecidos pelo governo. O impacto fiscal é estimado em R$ 9,5 bilhões em 2018.

Subsídios à produção: estes correspondem a R$ 84,34 bilhões ou 27% dos R$ 309,36 bilhões em gastos tributários. A maior parte, R$ 58,10 bilhões, é oriunda do chamado REPETRO. Trata-se de um Regime Aduaneiro Especial, exclusivo do setor e voltado à fase de Exploração & Produção (E&P), que suspende a cobrança de II, IPI, PIS/COFINS, AFRMM para operações de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de Petróleo e de Gás Natural.

Dito isto, podemos apontar algumas questões que merecem reflexão no cenário atual, de necessária mudança de rumos para o desenvolvimento do país.  A primeira é que no Brasil os gastos tributários cresceram muito ao longo dos últimos anos. Segundo previsão da Receita Federal, eles atingirão em 2019 o valor de R$ 306,3 bilhões – em 2008 estes gastos eram de R$ 170 bilhões. No cenário de crise em que vivemos, já está publicamente identificado entre os problemas que precisam ser enfrentados o excesso de desonerações que foram sendo concedidos na vã tentativa de impulsionar a economia, mas que acabaram não resolvendo o problema da falta de crescimento e gerando um outro: a falta de arrecadação e o déficit do orçamento público.

Pois bem, se olharmos para os subsídios aos combustíveis fósseis veremos que, dos R$ 309,36 bilhões concedidos entre 2013 e 2017, a maioria nem sequer é considerada nas estimativas apresentadas pela Receita Federal. Pegando o exemplo de 2017, dos 58 bilhões de gastos tributários, R$ 55 bilhões (quase tudo) não fazem parte das estimativas de gastos tributários da Receita Federal, medidos em um total de R$ 270 bilhões para o ano de 2017. Ou seja, se a Receita computasse também estes gastos tributários teríamos R$ 55 bilhões a mais oficialmente estimados.

Por que isto acontece? Basicamente porque o conceito de gasto tributário no Brasil é restritivo, não considerando como gastos tributário práticas assim definidas em outros países.  Por isto, o estudo do Inesc, seguindo a metodologia utilizada da OCDE que considera como subsídios todas as renúncias de impostos e contribuições em favor de produtores ou consumidores de combustíveis fósseis, chega a números mais expressivos e ignorados nos cálculos apresentadas pela Receita Federal.

De novo, o melhor exemplo da importância de se considerar tais valores como gastos tributários foi dado recentemente pela greve dos caminhoneiros. O dinheiro que se deixará de arrecadar com a zeragem da CIDE-Combustíveis e com a redução do PIS/COFINS, e que faziam parte das estimativas de receitas esperadas, precisaram ser compensadas de alguma forma, seja com uma taxação maior de algum setor ou segmento, seja por meio de subvenção. Isto é, há perda de recursos do orçamento público e este dinheiro fará falta em algum outro lugar. Simples assim!

Portanto, sem nem sequer entrar no debate econômico e ambiental da necessária revisão dos subsídios aos combustíveis fósseis, no Brasil e no mundo, é necessário falar sobre transparência.

A Receita Federal do Brasil precisa explicitar com clareza as metodologias utilizadas para mensuração dos gastos tributários e passar a considerar no seu cálculo a maioria dos subsídios aos combustíveis fósseis, hoje escondidos. Assim como é preciso que apresente quais são os mecanismos de acompanhamento e avaliação destes gastos, quais são as empresas beneficiadas e quanto cada uma deixa de pagar. É por esta transparência que a campanha recém-lançada pelo Inesc, intitulada #SóAcreditoVendo, pede.

Não é demais lembrar que no final de 2017 foi aprovada no Congresso Nacional a Lei N° 13.586 de 2017, que criou um novo regime de tributação para o setor de petróleo, consolidando isenções já instituídas e permitindo ampla redução da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Este novo “perdão de arrecadação” representa um subsídio à produção dos combustíveis fósseis que contribui para a queda dos custos de produção e para ampliar a rentabilidade das petroleiras; não somente da Petrobras, mas de todas as empresas que operam ou podem vir a operar no país na Exploração e Produção (E&P) de petróleo. Embora as estimativas do tamanho destes subsídios ainda estejam envoltas em controvérsias e dependam de muitas variáveis, é possível afirmar que são muito elevados: já foram estimados em R$ 1 trilhão em 20 anos. O que se deixará de arrecadar terá impactos importantes para o financiamento de políticas públicas de saúde, educação entre outras.

Em síntese, existem muitos bilhões de subsídios/gastos tributários que deveriam vir à tona nas estimativas da Receita Federal e que todos nós deveríamos conhecer quem são os seus beneficiários e quanto cada um deixa de pagar. Assine no manifesto #SóAcreditoVendo e nos ajude a pedir mais transparência nos gastos tributários.

Categoria: Notícia
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