As celebrações do dia 19 de abril poderiam ser mais festivas se a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) não enfrentasse dificuldades para cumprir sua missão institucional e urgente de proteger e promover os direitos dessas comunidades. Seja para a demarcação de terras ou na defesa contra ameaças e violências, o órgão carece de estrutura adequada e de recursos orçamentários suficientes para políticas que garantam a autonomia e o desenvolvimento sustentável dos territórios indígenas.
O alerta vem do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que divulga nesta data uma análise sobre os gastos da União durante o primeiro ano do governo Lula. Segundo a organização, a execução financeira da Funai em 2023 foi de R$ 589,77 milhões – número 13% menor do que o registrado em 2022 (R$ 666,19).
Em 2023, merece destaque a criação, pela primeira vez na história do País, do Ministério dos Povos Indígenas, liderado, também de forma inédita, por uma indígena, Sonia Guajajara. A pasta, em processo de estruturação, recebeu neste ano R$ 10,29 milhões, dedicados, essencialmente, para a criação e manutenção do órgão.
O estudo do Inesc também mostra uma discrepância entre o orçamento autorizado e a execução financeira da Funai em 2023. Os recursos executados para as ações finalísticas – ações cujos efeitos são diretamente sentidos pelas comunidades indígenas – foram maiores em relação a 2022 (de R$ 123 milhões em 2022 para R$ 134 milhões, no ano passado). Para 2023, estavam autorizados R$ 278,6 milhões, dos quais R$ 271 milhões foram empenhados e menos da metade, gasto efetivamente.
A ação “Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados” é um exemplo desse descompasso: o valor autorizado quadruplicou entre 2022 e 2023, mas a execução financeira cresceu na metade deste ritmo: saiu de R$ 50 milhões, em 2022, para R$ 91 milhões, em 2023.
A complexidade para a execução dos recursos por parte da Funai tem múltiplas razões. Para Leila Saraiva, assessora política do Inesc, “a Funai tem dificuldades estruturais para executar os recursos, que se somam ao legado de destruição deixado pela gestão anterior. A alta porcentagem de recursos empenhados demonstra a dedicação do órgão para retomar a política indigenista, mas as formas como os processos administrativos se dão internamente, além da falta de servidores nas Coordenações Regionais, dificulta que a execução financeira aconteça da forma como deveria”.
Avanços a saúde indígena
Em meio a um cenário que combina emergências sanitárias, como a vivenciada pela população Yanomami, e a necessidade de enfrentamento de estruturas criminosas em seus territórios, o documento do Inesc destaca o quanto as políticas anti-indígenas praticadas pelo governo anterior causaram danos a essas comunidades, capazes de atrasar a retomada de uma política de proteção aos povos originários do País.
Ainda assim, diversos avanços mereceram destaques no relatório. Segundo o Inesc, ocorreu um grande avanço na saúde indígena durante o período. Enquanto, em 2022, os recursos autorizados foram de cerca de R$ 1,8 bilhão, no ano de 2023, houve um aumento de cerca de R$ 400 milhões, sendo que a execução financeira chegou a 95%.
A excelência no patamar de gastos sinaliza o empenho da Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, em enfrentar desastres sanitários como a situação vivida pelos Yanomami.
“O esforço articulado para recuperar a saúde indígena é urgente e necessita da ação efetiva de todo o Estado, inclusive de setores que parecem reticentes em fazer sua parte, como as forças policiais e as forças armadas”, destaca a publicação.
Demarcação de Terras Indígenas
No último ano, foram homologadas oito Terras Indígenas: Acapuri de Cima (AM), Rio Gregório (AC), Avá Canoeiro (GO), Arara do Rio Amonia (AC), Kariri-Xoco (AL), Rio dos índios (RS) e Tremembé da Barra do Mundaú (CE). Trata-se de um avanço indiscutível, especialmente após quatro anos sem nenhuma terra demarcada, mas está longe de ser suficiente, tendo em vista que o governo Lula se comprometeu com a homologação de 14 Terras Indígenas nos 100 primeiros dias.
Quanto à questão das indenizações por benfeitorias de boa-fé, o Inesc aponta um cenário em que, apesar do pagamento dessas indenizações, os conflitos e violências contra os povos indígenas persistem. Isso indica que medidas isoladas não são suficientes para garantir a proteção efetiva dos territórios indígenas, sendo necessárias ações integradas e abrangentes de proteção territorial.
Desafios como esse, somados às dificuldades de execução financeira da Funai, estão na pauta da proposta de reestruturação do órgão, que já estabeleceu um Grupo de Trabalho (composto por servidores, membros do Ministério dos Povos Indígenas e lideranças dos movimentos indígenas) dedicado a elaborar uma nova estrutura organizacional do órgão.
No estudo, o Inesc recomenda algumas ações prioritárias para o avanço da política indigenista no Brasil, entre elas a reestruturação da Funai, a recomposição do quadro de servidores, a recomposição do orçamento para políticas indigenistas e o avanço nas homologações das Terras Indígenas.