Nota pública | Enchentes no Rio Grande do Sul são uma tragédia anunciada

08/05/2024, às 16:24 (atualizado em 13/05/2024, às 10:01) | Tempo estimado de leitura: 7 min
É urgente a implementação de políticas públicas fortes de enfrentamento aos desastres e, principalmente, gerir os riscos que deles ocorrerem, preservando as vidas e os bens de suas possíveis vítimas.

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), organização que atua há mais de 40 anos em defesa dos direitos humanos, vem a público reforçar profunda solidariedade ao estado do Rio Grande do Sul, em especial, às famílias atingidas pelas enchentes que, até o momento, já deixam mais de um milhão de pessoas afetadas e dezenas de  mortos, nos cerca de 400 municípios atingidos. 

É a maior catástrofe ambiental da história do Rio Grande do Sul. Uma tragédia anunciada! 

Há décadas especialistas alertam a humanidade para as consequências das mudanças climáticas. Eventos extremos, como o que assola a população gaúcha neste momento, são (e continuarão sendo) cada vez mais frequentes. 

Altos índices de desmatamento, subsídios cada vez maiores aos combustíveis fósseis, investimentos em commodities para exportação em detrimento da priorização de modos de produção sustentáveis, alicerçado por políticas públicas que trabalham em prol do avanço do capital, todos esses fatores são responsáveis pela atual crise do clima. 

Investir em ações de mitigação das mudanças do clima é tão urgente e necessário quanto destinar recursos para adaptação e perdas e danos. 

Mais orçamento para gestão de riscos e desastres 

De acordo com a análise mais recente do Inesc sobre o balanço do orçamento da União, os gastos do governo federal para gestão de riscos e resposta a desastres, por exemplo, foi aumentado em 30 vezes, saindo de R$ 1,44 milhão em 2022 para R$ 43,72 milhões em 2023. Mesmo com o incremento, é possível avançar mais. Isso porque quando olhamos para o orçamento total autorizado para essa política no ano passado, R$ 299,7 milhões, a execução financeira foi de apenas 16%. Para 2024, o Programa Gestão de Crise e Desastres teve o orçamento autorizado de R$ 2,29 bilhões, o que possibilitará a realização de uma política mais consistente de enfrentamento e prevenção dos extremos climáticos.

Avançar em políticas de meio ambiente e clima 

Em 2023, o orçamento destinado aos órgãos ambientais conseguiu um incremento de recursos por meio da chamada “PEC da Transição”. Foram acrescentados cerca de R$ 500 milhões para as ações vinculadas ao meio ambiente, principalmente para o combate ao desmatamento. 

Contudo, ainda é necessária a estruturação de mecanismos orçamentários mais robustos. É inadiável a criação de condições políticas para a busca de soluções para estruturar mecanismos de financiamento da Política Nacional de Meio Ambiente e do Clima, em especial na dimensão da solidariedade do Governo Federal no apoio aos demais entes federativos, para que eles consigam melhorar as capacidades de implementação das agendas de meio ambiente e clima.

Zerar os subsídios aos combustíveis fósseis 

Apesar de o Brasil ser reconhecido internacionalmente por ter uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo e um papel de liderança nas negociações climáticas, o País é um grande  produtores de petróleo. Apoiado por uma forte e histórica política de subsídios, o Brasil está em processo de expansão da sua produção petroleira. Segundo dados do Inesc, entre 2018 e 2022 foram alocados R$ 334,6 bilhões em fósseis, enquanto para as renováveis foram apenas R$ 60,1 bilhões. No período, os subsídios aos fósseis cresceram 123,9%, enquanto às renováveis aumentaram apenas 51,7%.

O governo brasileiro teve em mãos a oportunidade histórica de conciliar o cronograma de mudança da estrutura tributária via Reforma Tributária com a revisão dos subsídios à produção de combustíveis fósseis, mas não o fez. O Brasil precisa assumir o seu compromisso com a justiça social e climática, liderando o esforço nacional e global para que os subsídios às fontes de energia fóssil sejam eliminados.

Garantir direitos de povos e comunidades tradicionais

Povos e comunidades tradicionais, entre elas indígenas e quilombolas, são cada vez mais pressionados pelo avanço desenfreado do agronegócio e da mineração no Brasil. Além de forçar por mais desmatamento, a demanda por infraestrutura logística afeta gravemente comunidades inteiras. 

Atualmente, grandes empresas transnacionais do agronegócio pressionam o governo brasileiro para executar uma obra que promete baixar os custos do escoamento da produção. Conhecida como Ferrogrão, a ferrovia ameaça destruir o equivalente a 285 mil campos de futebol de áreas protegidas. Além disso, ela está sendo planejada sem que o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região seja respeitado. Pelo menos 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais seriam afetados. 

É urgente a implementação  de políticas públicas fortes de adaptação

A crise climática que enfrentamos agrava problemas históricos dos setores empobrecidos do Brasil, como habitações em locais de risco e sujeitos a enchentes, alagamentos e enxurradas. É principalmente a população negra e periférica a mais  afetada pelos desastres que vivemos e viveremos, caracterizando o racismo ambiental. 

Organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, estão articuladas para pressionar o Congresso e o governo federal para a criação de um auxílio emergencial para famílias afetadas por desastres naturais. 

Urge a implementação  de políticas públicas de adaptação, de  enfrentamento dos desastres e, principalmente, de gestão dos  riscos que deles ocorrerem, preservando as vidas e os bens de suas possíveis vítimas. Urge a atuação firme do Estado brasileiro na garantia de políticas com participação social que, de fato, avancem no enfrentamento das mudanças climáticas.

A falta de compromisso e ousadia tem o seu preço! 

Categoria: Notícia
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