Eleições 2024: mulheres excluídas, negros sem recursos

10/09/2024, às 13:51 (atualizado em 23/09/2024, às 15:09) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Carmela Zigoni* e José Moroni* para Correio Braziliense
Apesar de prever a proporção de, pelo menos, 30% das candidaturas para mulheres, para alcançar essa cota, os partidos políticos preferem cumpri-la usando os cargos de vereador/a e não nas brigas pelas prefeituras
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
Artigo publicado originalmente pelo Correio Braziliense

Os dados do perfil das candidaturas às eleições de 2024 são desanimadores. Combinados com as últimas decisões do Legislativo e do Judiciário, essas estatísticas tornam o cenário da corrida eleitoral previsível: os homens brancos ricos não vão arredar o pé dos espaços de poder, nem que para isso tenham de instrumentalizar as instituições públicas e os partidos políticos.

Em quase metade (49,67%) dos municípios, haverá apenas duas candidaturas, e, nesse contexto, 72,2% dos casos, as duas pessoas que disputam a prefeitura são homens. Em 227 municípios, só haverá um candidato, sendo 200 homens e 27 mulheres. Em seis capitais do país, não haverá nenhuma mulher candidata à prefeitura. São elas: Rio Branco (AC), Manaus (AM), Fortaleza (CE), Cuiabá (MT), João Pessoa (PB) e Florianópolis (SC).

Apesar de prever a proporção de, pelo menos, 30% das candidaturas para mulheres, para alcançar essa cota, os partidos políticos preferem cumpri-la usando os cargos de vereador/a e não nas brigas pelas prefeituras. Os homens somam 85% das candidaturas a prefeito e 65% na disputa pela vereança.

A proporção entre brancos e negros para todos os cargos está mais equitativa. As candidaturas pardas e pretas correspondem a mais da metade do total (52,73%), sinalizando um discreto aumento de 2,8% em relação a 2020.

Esses números são agravados com um acordo que uniu a direita, o centro e a esquerda para a aprovação, no Congresso Nacional, em agosto de 2024, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 09/2023, agora Emenda Constitucional 113/24 — também conhecida como PEC da Anistia. A medida retira recursos das candidaturas negras, na medida em que extingue a proporcionalidade da distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha para as pessoas negras, fixando um limite de 30%.

Pela regra anterior à PEC, a proporcionalidade poderia aumentar os recursos do Fundo Eleitoral para as candidaturas pretas e pardas, uma vez que mais de 50% dos postulantes aos cargos do Legislativo e do Executivo municipal são negros. Segundo uma projeção realizada pela iniciativa Pacto pela Democracia, as candidaturas negras deixarão de receber R$ 1,1 bilhão nas eleições deste ano sob a nova regra.

A insegurança jurídica é tamanha que organizações entraram com pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Superior Tribunal Eleitoral (STF). Há, ainda, o risco de os recursos de “peso 2” (Emenda Constitucional 11/2021), destinados a partidos que elegeram mulheres e pessoas negras em 2022, serem desvirtuados, resultando em uma política de ação afirmativa para pessoas brancas em uma clara demonstração do colonialismo do nosso sistema político.

As legendas PT, Solidariedade, PSD, PSOL e do PSB surpreenderam com mais uma movimentação questionável, pedindo extensão de prazo para repasse de recursos para mulheres e pessoas negras. A decisão sobre os repasses é de 2020,  aplicada na eleição daquele ano. Em 2022, o TSE determinou o pagamento prioritário para esses grupos. Agora, em 2024, esse pedido é totalmente anacrônico e expõe o racismo e machismo introjetado também no campo progressista.

Enquanto isso, crescem os casos de violência política de gênero e raça em todos os cantos do país. O GT Mulheres e Violência Política da Procuradoria Geral da República, coordenado pela procuradora Raquel Branquinho, monitora atualmente 97 casos de violência virtual e 84 em ambientes físicos, desde a promulgação da Lei 14.192 de 2021. A lei, além de versar sobre a violência de gênero, qualifica a discriminação de raça e etnia e prevê aumento de pena para atos cometidos contra mulheres gestantes, idosas e deficientes.

A referida lei também responsabiliza os partidos políticos pela coibição desses crimes e suporte às vítimas. Dificultar o financiamento de campanhas de mulheres, principalmente mulheres negras, pode ser entendido como um ato de violência política. Sem recursos, as condições de participação das candidatas se tornam inviáveis, o que, em muitos casos, podem resultar em dívidas financeiras pessoais, além de impactos simbólicos e psicológicos.

Os movimentos negros e de mulheres lutam, conquistam legislações, mas parece que a cada passo em direção à equidade, são cinquenta passos para trás. Ou 500 anos.

Carmela Zigoni* — Assessora política do Inesc
José Antônio Moroni* — Membro do Colegiado de Gestão do Inesc

Categoria: Artigo
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