31/08/2011
Alessandra Cardoso
Assessora do Inesc.
Segundo matéria publicada pelo Valor Econômico do dia 26 de agosto, foi fechado no Peru um acordo entre governo e empresas de mineração para cobrança de um imposto sobre lucros excepcionais da exploração de minérios no país, que é o segundo maior produtor mundial de cobre e zinco e o maior produtor de prata. O valor esperado por esta cobrança adicional é cerca de US$ 1,1 bilhão, 50% abaixo dos US$ 2 bilhões inicialmente pretendidos pelo governo Peruano. Pela ótica do setor mineral, em grande parte controlado por empresas estrangeiras entre elas a Vale e Votorantin Metais, o acordo trouxe certo alívio, como relata a matéria, dado que esperavam uma mordida maior dos seus lucros extraordinários, em grande parte advindos do aumento das cotações internacionais dos metais, principalmente cobre, ouro e prata.
Ainda conforme a matéria, apesar da cobrança adicional ser menor do que a inicialmente pretendida pelo governo, representa uma medida relevante de regulação do setor mineral que prima por um maior retorno para a sociedade da exploração dos seus recursos naturais. Nesta direção, também representa um avanço a vinculação destas receitas adicionais para o financiamento de gastos sociais orientados à redução da pobreza, que atinge cerca de metade dos quase 30 milhões de peruanos.
E o que isto tem haver com o Brasil? Infelizmente, aqui, o debate sobre o retorno para a sociedade da exploração dos recursos minerais parece não ser, ainda, um tema prioritário. Durante a campanha presidencial a então candidata Dilma, em especial nas suas passagens por palanques mineiros, disse se comprometer com a revisão do marco regulatório do setor mineral, o que incluiria o aumento dos chamados royalties da mineração, sabidamente um dos mais baixos do mundo.
Contudo, passados 8 meses de governo, o tema permanece circunscrito a um “petit comité”. De um lado, as empresas de mineração que fazem pesado lobby para manter as regras do jogo e preservar seus estratosféricos lucros e, de outro lado, o governo que embora pareça ter alguma predisposição de tencionar para ampliar a cobranças de royalties permanece titubeante politicamente, e sem pressão social que lhe cobre uma postura mais firme. É neste cenário que o prometido Projeto de Lei da CFEM – Compensação pela Exploração dos Recursos Minerais até agora não foi encaminhado ao Congresso.
Segundo informa a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, no site do ministério, já existe um debate público (bem seleto) para a reformulação do atual modelo de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Nos termos anunciados por esta Secretaria, este novo modelo de CFEM que estaria sendo discutido “objetiva promover uma justa redistribuição dos benefícios econômicos que a mineração gera, considerando o papel que os bens minerais exercem na sociedade e na economia brasileira, bem como melhorar o usufruto dessa riqueza por todos os atores que compõem o setor”. Este novo modelo que pretende alterações na forma de cálculo, nos critérios de distribuição e uso da CFEM, passando por aperfeiçoamento nos procedimentos de arrecadação, fiscalização e cobrança, pretenderia tornar mais justa a distribuição da riqueza gerada pela mineração, bem como estimular o desenvolvimento de regiões produtoras.
Este tema e esta disputa deveriam interessar a toda a sociedade e talvez em especial aos movimentos e organizações sociais que lutam por direitos sociais e ambientais. E ganha ainda mais relevância em um contexto onde vemos lucros já extraordinários sendo trimestralmente batidos, ao lado de relatos alarmantes dos enormes impactos sociais e ambientais causados pelas mineradoras. Vale dizer que o lucro obtido pelo setor de mineração entre janeiro e junho de 2011 foi 131,4% superior ao do mesmo período de 2010.
Para dar um exemplo do potencial de ampliação de arrecadação, somente a mudança nos royalties sobre o ferro dos atuais 2% para 6% (valor que já chegou a ser cogitado pelo governo) representaria, com base na arrecadação de 2010, um adicional de cerca de R$ 1 bilhão.
Mas não adianta somente ampliar a cobrança de royalties, é preciso rediscutir sua distribuição e função: como é repartido entre os entes da federação; o que é prioridade para aplicação destes recursos; além se dar mais transparência e garantir o controle social da aplicação destes royalties. Sem isto, estaremos como hoje, vendo estes recursos concentrados em poucos municípios e sendo aplicados, sem transparência e sem qualquer compromisso com garantia de direitos.
Este debate do quanto se paga pela exploração dos recursos naturais e onde são gastos estes recursos não é fácil porque envolve interesses diversos, inclusive interesses federativos. Mas, do ponto de vista da distribuição e destinação o aumento das alíquotas seria também uma grande oportunidade para rediscutir repartição e prioridades.
O contexto social e político do Peru, onde se discute a regulação do setor tendo como foco o retorno desta riqueza para objetivos concretos como a redução da pobreza, representa uma ótima oportunidade para nós, aqui também, rediscutirmos as condições sob a quais permitiremos que nossas riquezas naturais sejam exploradas. Vincular este debate ao debate mais amplo sobre a necessidade de ampliar investimentos sociais e para preservação ambiental e da nossa enorme biodiversidade é uma oportunidade que estamos deixando passar.
Veja também: Plano para aumentar royalties de minério de ferro recebe críticas.