A incapacidade de reconhecer a hora da mudança, cedo ou tarde, leva as instituições humanas à decadência ou irrelevância política. Isso também é verdade quando as instituições são organismos multilaterais, como é o caso do Banco Mundial. A crise que resultou na demissão de Paul Wolfowitz tem origem no sistema arcaico de sucessão vigente nas duas principais organizações financeiras multilaterais, o Banco Mundial e o FMI, reduzido a um acordo de cavalheiros que distribui os cargos máximos das duas instituições entre a Europa e os Estados Unidos. Tudo isso à revelia do que pensa o restante do mundo, em particular os países onde vive a maioria das populações diretamente atingidas pelas políticas dessas instituições.
Mas como diz o ditado: velhos hábitos custam a morrer. As notícias do processo eleitoral parecem indicar que as lições recentes não foram devidamente apreendidas. A indicação de Robert Zoellick, ex-representante comercial dos EUA, para a Presidência do Banco Mundial, reafirma a lógica da corrida de um cavalo só em que o candidato do governo de George W. Bush se prepara para cruzar solitário a linha de chegada.
A Europa e os Estados Unidos dão as mãos na tentativa de abafar rapidamente o desconforto e incômodo causado pelo affair Wolfowitz, ignorando um debate que teve reflexo até mesmo no Conselho de Diretores do Banco, formalmente a instância que indica o Presidente. Recentemente o Brasil, a Austrália e a África do Sul manifestaram publicamente o desconforto com a situação atual, pedindo um processo mais aberto. Talvez seja este o momento para esses países, em aliança com outros, darem um passo à frente e articularem candidaturas alternativas.
O próprio comunicado dos diretores executivos do Banco, comentando a indicação da candidatura de Zoellick, faz questão de dizer que as inscrições para novas candidaturas seguem abertas até o próximo dia 15 e que todas as candidaturas serão consideradas. A proposta de pelo menos uma candidatura alternativa deflagaria a oportunidade de um debate mais aberto sobre os critérios da escolha.
Ainda que aparentemente insossa, não devemos nos iludir sobre o que está em jogo nesse processo. Mais do que a definição sobre a liderança de instituições que, recentemente, perderam muito da capacidade de influenciar as políticas de países de renda média e alta como o Brasil, Índia e África do Sul — ainda que isso se faça menos necessário, já que a ideologia e o modelo por elas defendidos passaram a fazer parte do pacote básico das políticas nacionais —, o processo em curso diz muito da pouca disposição da Europa e dos Estados Unidos discutirem a reforma do chamado sistema de governança global. Este sim um assunto de grande relevância para o Brasil e outros países em desenvolvimento, como demonstra as negociações na Organização Mundial do Comércio e as discussões em curso nesta semana no encontro do G8, na Alemanha.
Atila Roque, Historiador e membro do Colegiado de Gestão do Inesc