Só uma reforma política será capaz de favorecer um novo comportamento republicano

28/11/2013, às 10:55 | Tempo estimado de leitura: 11 min

Marilza de Melo Foucher*

A reforma do sistema político foi uma das promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff. O assunto voltou para a pauta de discussão depois de sua intervenção sobre os pactos firmados em consequência das diferentes manifestações de junho/julho. Hoje a presidente se diz defensora da reforma política com participação popular.

O Brasil tem um regime presidencialista dentro de uma federação, o que talvez complique ainda mais a missão do poder Executivo, pois cabe ao Legislativo fazer as leis. Supostamente se imagina que bastaria ter vontade política para promover todas as mudanças fundamentais que há anos a população espera, entretanto, a presidente tem que andar em cima de ovos para manter o equilíbrio entre Executivo e Legislativo. A negociação do Executivo se dá com os representantes eleitos no congresso e não com a sociedade. Aí a questão crucial é: como garantir uma boa governabilidade diante de parlamentares que na maioria das vezes não representam em nada aos seus eleitores?

O atual sistema partidário brasileiro não é compatível com a nova república democrática brasileira. Muitos partidos foram implantados no período de crise da ditadura e de transição para a democracia. Muitos surgiram sem fundamentos ideológicos. Infelizmente, nenhum governo pós-ditadura pode elaborar um projeto de reforma política, muitas vezes por falta de maioria e outras vezes por falta de vontade política. Existe uma pulverização do sistema partidário no Brasil que dificulta a formação de maiorias nas assembleias estaduais e no Congresso Federal.

Hoje temos aberrações que permite toda deriva republicana. Atualmente, segundo o Tribunal Eleitoral, existem registros de 27 partidos! Muitos desses não têm nenhuma base filosófica e política, são legendas de aluguel, como muitos proclamam. A prática nociva do “dando que se recebe” se banalizou no parlamento brasileiro. O pior é que esses políticos fisiológicos contribuem na permanência do vírus maléfico da corrupção política. Impunemente eles abusam do poder político para nomeações de afiliados, usam do apadrinhamento na distribuição de cargos. Estes políticos fisiológicos defendem interesses paroquiais em detrimento do interesse nacional. Para eles, tudo isto é normal. Eles vão continuar repetindo de modo cínico que tudo isto “faz parte do jogo político”.

Este ano festejamos 25 anos da Constituição Cidadã e a jovem democracia brasileira para entrar na idade de amadurecimento político vai precisar reformar com urgência seu sistema político. Não dá mais para esperar! Caso contrário, continuaremos vivendo num edifício inacabado muito aquém de uma democracia efetiva. A da Constituição Federal de 1988 no art. 14, incisos I, II e III, garante mecanismos de participação direta, tais como: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. A presidente Dilma pode fazer uso destas prerrogativas que conjuga a democracia representativa com mecanismos de participação popular.

Em razão desta realidade, só uma boa reforma do sistema político pode provocar um choque de seriedade junto à opinião publica e sem dúvida nenhuma contribuirá na melhoria da imagem do parlamento brasileiro hoje completamente deteriorada. Como dizia Norberto Bobbio: “Não existe estruturas perfeitas, e, a atitude do bom democrata é a de não se iludir sobre o melhor sistema político e a de não se conformar com o pior” (O futuro da democracia – Paz e Terra – São Paulo 1986).

O interesse pela coisa pública e a defesa do interesse geral

O parlamentar deve ter consciência que o exercício de um cargo eletivo não deve ser nem “individualista” e nem “carreirista”. A política não é uma profissão, nem é vitalícia, nem hereditária. Como indagava a filósofa Hannah Arendt: qual o sentido da política quando os homens políticos, eles mesmos perderam o sentido político?

Não devemos esquecer que temos nossa parte de responsabilidade em certos desvios republicanos, pelo fato de não exercermos nossa cidadania política e exigir que a casa do povo seja mais bem representada. O deputado não é eleito para oferecer um emprego ou bolsa de estudo. Ele é eleito para zelar pela coisa pública, pelo interesse coletivo e não individual. Ele não é eleito para defender seus interesses privados.

Se quisermos um melhor funcionamento da governabilidade democrática, e uma reforma do sistema e o funcionamento das instituições políticas, é hora de selar uma parceria entre democracia participativa e democracia representativa para elaborar uma verdadeira reforma do sistema político a fim de evitar a privatização da política.

Os representantes do povo, além de assumir o compromisso de defender os interesses públicos, devem estimular e facilitar a inclusão da participação social no poder político. Essa inclusão da cidadania política efetivará uma mudança estrutural nas relações com o poder e dará melhor sustentabilidade para uma governabilidade democrática mais participativa.

Existe hoje uma urgente necessidade de reencontrar o sentido nobre da política que permite uma comunidade de agir sobre ela mesma, sem perder a visão do interesse geral. Esta reforma política deve favorecer um novo comportamento republicano, só assim a política será escrita com letras maiúsculas e a palavra política ganhará credibilidade e sustentabilidade.

Os parlamentares devem ter um real compromisso partidário e devem privilegiar o interesse geral e zelar pela coisa pública.
Seria impossível renovar os quadros políticos e revigorar a democracia se não aceitamos dividir o poder, ou delegar o poder.
O dinamismo de uma democracia é aquela que não perde a capacidade de se inovar. O ideal seria poder ter uma rotatividade de mandatos e limitar os mandatos ao máximo de duas legislaturas. Os quadros políticos devem ser renovados. A rotatividade pode ser a solução para levar os jovens a se interessarem na política partidária. Por exemplo, um vereador pode se candidatar a prefeito, o prefeito a deputado estadual, o deputado estadual a deputado federal, o senador a governador, o deputado federal a senador. Se esta regra fosse votada, teríamos uma renovação completa do corpo partidário. É uma rica experiência poder subir na esfera da legitimação da representatividade popular. Assim como é importante que quadros políticos possam ser renovados.

Um segundo mandato é talvez interessante devido à experiência e amadurecimento político acumulado. Todavia, cabe aos eleitores no próximo pleito avaliar se a ação do candidato foi pertinente, que projetos ele apresentou, que projetos interessantes contaram com o seu voto, qual a sua postura ética durante o mandato. Diante do constato da ação política, eles votarão ou não a confiança para um segundo mandato. Brigar por um terceiro mandato consecutivo impede a ascensão de novos candidatos.

A reforma política é indiscutivelmente fundamental também para definir novas regras de financiamento público de campanha eleitoral criando um mecanismo de controle mais rígido. Outra questão que merece um debate nacional seria aprofundar a discussão sobre o significado da sustentabilidade política hoje no Brasil.

Os representantes do povo, além de assumir o compromisso de defender os interesses públicos, devem estimular e facilitar a inclusão da participação social no poder político. Essa inclusão da cidadania política efetivará uma mudança estrutural nas relações com o poder e dará de fato uma melhor sustentabilidade para uma governabilidade democrática mais participativa. De certeza o modo de fazer política forjará uma nova relação entre o Estado e a sociedade civil e um novo comportamento republicano.

Note: Escrevi um artigo semelhante que foi publicado em fevereiro de 2011 na Plataforma pela Reforma do Sistema Político que desde 2005 vem discutindo esta questão. A plataforma reúne atores da sociedade civil organizada (movimentos sociais, sindicatos, pastorais, fóruns sociais e outras diferentes organizações sociais).

*Economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil em Paris

Publicado originalmente no 247

Categoria: Artigo
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