Edélcio Vigna, assessor do Inesc
O debate no plenário da Câmara dos Deputados sobre a PEC No 438/2001, que dispõe sobre a expropriação do imóvel onde for constada a exploração de trabalho escravo, revelou a insanidade legislativa das lideranças da Bancada Ruralista. Esses líderes, apesar de se declararem contra o trabalho escravo no campo e na cidade, insistiram no adiamento da votação da PEC, argumentando que é necessário conceituar o “trabalho escravo” antes de votar qualquer legislação que o erradique.
O grande temor que transparece no discurso dos ruralistas é a possibilidade da aprovação de uma lei que exproprie os imóveis que desobedeçam à função social da propriedade ao não favorecer o bem-estar dos trabalhadores (Art. 186, Constituição Federal). Dessa forma, a posição da Bancada Ruralista ofende tanto os princípios fundamentais da República ao advogar contra “a dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho” (art. 1o, CF), como o art. 170, que trata da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano.
O Código Penal, no capítulo, “Redução à condição análoga à de escravo”, descreve no art. 149 que a condição análoga à de escravo é submeter o trabalhador ou a trabalhadora “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. O Código também estabelece ao infrator pena de reclusão, de dois a oito anos, multa, além da pena correspondente à violência (art. 149, CP).
O mesmo artigo (art. 149, § 2º) registra que a “A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”. Apesar de o Código Penal vigorar desde 1940 e o art. 149, ter um descumprimento recorrente, apenas uma ação está transitada em julgado, que não resultou em reclusão, mas em uma pena convertida em pagamento de cesta básica.
Em relação à ordenação jurídica internacional, o Brasil está em falta em relação às convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por não ter aprovado ainda uma legislação contra o trabalho escravo, apesar de o governo ter implementado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. A Convenção 29, em seu art. 2º, esclarece que a “expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”.
O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (2003) estabelece como prioridades do Estado a erradicação e a repressão ao trabalho escravo contemporâneo. Para atingir essa meta, o Plano estabelece “estratégias de atuação operacional integrada em relação às ações preventivas e repressivas dos órgãos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil com vistas a erradicar o trabalho escravo”. Apesar das estratégias, a única ação que pode ser destacada é a do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho e Emprego, cuja atuação tem sido fundamental para o combate das formas contemporâneas de escravidão.
Além do país ter uma farta regulamentação jurídica e das informações serem públicas os ruralistas insistem em desconhecê-las e reivindicam que seja aprovada uma lei infraconstitucional conceituando o “trabalho escravo”, para depois votar a emenda constitucional do trabalho escravo. Na sessão que ia votar a PEC, o deputado Roberto Freire (PPS-PE) fez uma intervenção contundente: “Não podemos colocar o carro na frente dos bois. Essa discussão de um projeto de lei complementar ou regulamentar terá de ser feita depois da mudança na Constituição”.
O Estado se orgulha do Brasil ser a sexta economia do planeta, mas oculta o fato de ter cidadãos descartáveis. O governo pode garantir a aprovação da PEC No 438/2001 se mobilizar sua base de apoio parlamentar e não deixar brechas para que partidos, como PMDB, possam ser instrumentalizados segundo os interesses da Bancada Ruralista. Conforme acordo de Plenário a votação da PEC deverá ocorrer no dia 22 de maio e a sociedade civil está mobilizada para acompanhar a sessão tanto presencialmente quanto pela TV Câmara.