Artigo: Quanto vale a igualdade racial?

15/07/2015, às 17:30 | Tempo estimado de leitura: 6 min
Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, critica os cortes dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), que afetam diretamente a execução de políticas públicas essenciais para reduzir as desigualdades no Brasil.

Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.

É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.

Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.

O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.

O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.

Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.

Categoria: Artigo
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