Publicado por Agência de Notícias das Favelas.
No último dia 23, um pouco antes do carnaval, tive a oportunidade de, pela primeira vez na vida, voar de avião e pisar em Brasília (DF). As missões: participar do lançamento da revista “Descolad@s”, para a qual escrevi um artigo sobre o extermínio da juventude preta, e participar de uma roda de conversa sobre Comunicação Crítica, Publicidade Afirmativa e Cultura Hip Hop. E lá fomos nós.
Olhar pela janela e ver que se está na altura das nuvens é algo lindo. Não teria como começar a discorrer sobre a viagem sem falar isso. Ao chegar no aeroporto de BSB, fui ao encontro de Márcia Accioli, professora de artes e uma das responsáveis pelo projeto Onda – Adolescentes Protagonistas desenvolvido pelo INESC – Instituto Nacional de Estudos Sócio Econômicos. A ideia do projeto é fortalecer a capacidade de atuação dos jovens na conquista de seus direitos e no monitoramento das políticas públicas destinadas a eles. Cerca de 200 crianças, adolescentes e jovens de quatro escolas públicas do Distrito Federal (Estrutural/Guará, Lago Oeste, Paranoá, Cidade Ocidental/Quilombo Mesquita) e da Unidade de Internação de Santa Maria (UISM) são atendidos, e o principal material gerado é a revista – integralmente pensada por eles com a orientação dos educadores.
Ao chegar ao Museu Nacional, o evento estava nos ajustes finais. Os próprios jovens pensaram e produziram a atividade, que foi mais do que apenas um lançamento da revista, mas também uma celebração do Onda. A abertura contou com dois jovens que participaram da primeira edição da revista contando sobre como surgiu a ideia da publicação e suas histórias até a chegada à sexta edição. “Para fazer uma revista dessa, é preciso ter muito espírito investigativo. A comunicação é oportunidade para pensarmos sobre várias coisas que nos acontecem. Ser ativo em comunicação é uma tarefa muito difícil, mas também nos empodera muito”, avaliou Pedro Couto. “Escrever para a ‘Descolad@s’ era um desafio imenso. Cada edição ajuda a gente a quebrar um preconceito”, completou Raquel Ferreira.
Na sequência houve uma atividade em que todos os presentes foram divididos em grupos para pensar em como a publicação poderia ser melhor utilizada no atual contexto onde há um retrocesso na garantia de direitos. Pelos grupos, crianças de 12 anos, adolescentes de 16 e alguns outros com mais de 20.
Durante o evento, houve atividades culturais como a Cia de Teatro Bisquetes, composta por jovens LGBTs moradores da Cidade Estrutural, região com o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do DF. Outro destaque foi o poeta Marcelo Caetano que recitou “O Som dos Grilhões”, que fala da questão do povo preto pelas diásporas no mundo. De arrepiar! Ainda houve também apresentação de dança cigana. As dançarinas moram no acampamento cigano localizado no Distrito Federal e foram entrevistadas para a sexta edição da revista.
Ao chegar a minha vez, falei da minha trajetória, da maneira como o rap passou a ser meu canal de expressão e que, consequentemente, me levou para a Comunicação. Fica o registro de que uma menina e um menino trans que se encontram privados de liberdade, em medidas socioeducativas, colaboraram com a revista e não receberam liberação para estarem presentes no lançamento. O motivo teria sido a falta de agentes para fazer a escolta.
No dia seguinte participei de uma roda de conversa na sede do INESC, onde troquei experiências e ideias com um time de responsa: Kinah Monifa (artesã, militante do movimento negro), Dyarley Viana (assessora técnica do INESC), Caroline Lima (militante do Levante Popular da Juventude), Thallita Oliveira (educadora), Markão Aborígene (rapper/educador social), além da própria professora Márcia Accioli. Através dessas pessoas, conheci um pouco mais sobre iniciativas extremamente potentes que acontecem nas periferias do DF: Grito das Periferias, Clube das Pretas, Família Hip Hop, dentre outras. Em cada uma das falas, pude perceber um incômodo com a naturalização do racismo, machismo, da pobreza e violência nas periferias, incômodo que motiva essas pessoas a agirem e, de alguma forma, mudarem o panorama, principalmente para os mais jovens.
Ainda tive tempo de conhecer a Unidade de Internação de Jovens Granja os Oliveiras, no Recanto das Emas, onde menores que infringiram a lei recebem medidas socioeducativas. O INESC irá começar a desenvolver atividades naquela unidade nos próximos meses.
Foi uma experiência incrível ver um pouco do trabalho que essa galera desenvolve pelo DF. Em um país onde há um abismo de desigualdade entre pobres e ricos, essas iniciativas são fundamentais para se pensar a sociedade a partir da periferia e de quem faz a engrenagem girar nessa máquina. Volto do Distrito Federal com mais sonhos, ambições e disposição para realizar o que eu acredito, com as ferramentas que tenho: muito mais fome de conhecer esse país enorme e esse mundo gigante.
Seguimos firmes e expandindo nossas conexões e horizontes em prol de transformações sociais.