13 de junho de 2011
A criança aprende e interage com o seu meio sem reparar que cada fração de segundo qualifica o seu estar e o seu vir a ser. Tudo compõe sua existência e escreve a sua história. Por isso brincar é tão importante e é um dos direitos que mais deveria ser levado a sério pelos “não-criança”. Criança feliz se relaciona com outras crianças, imagina, canta, corre, conta histórias, tenta desvendar os mistérios do mundo…
No seu artigo 4º o Estatuto da Criança e do Adolescente diz “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Este talvez seja o texto que resume paradigma da ‘Proteção Integral’, a ideia central da lei, que recupera a perspectiva de vida plena e indivisível. A proteção integral é “como proteção todo tempo, em todo lugar, por todo mundo”, como definiu Adriana, uma adolescente que faz parte do projeto Onda: Adolescentes em Movimento pelos Direitos do Inesc.
O artigo 4º também evidencia a interdependência dos direitos, ou seja, a ideia de que direito leva a outro e depende de um outro. A interdependência e a indivisibilidade desenham uma complexa rede. Não há como se ter saúde se não há alimentação adequada, assim como sem saúde o rendimento na escola fica comprometido… E que, nesta ciranda, não é admissível um ficar de fora. Ou seja, todos os direitos valem para todas as pessoas. Esta é a dimensão da universalidade dos direitos humanos.
Assim como os direitos são interdependentes e a realização de um implica na realização de outros, a falta de um direito também tem como consequência uma série de outras violações. Quando a criança é obrigada a trabalhar para ajudar no sustento da família, imediatamente ela fica menos disponível para brincar, estudar, fazer esporte ou mesmo, para imaginar… Além de muitas vezes ser lesada fisicamente, ela perde um tempo que não volta e a infância escoa ralo abaixo.
Todos os direitos são igualmente importantes, embora haja os que pensam que somente saúde e educação resolva tudo. Olhando assim, e compreendendo a necessária interação entre os direitos para se promover uma vida protegida, a articulação das políticas públicas é condição necessária para o planejamento e a execução de ações que não permitam lacunas entre um direito e outro. A concretização dos direitos depende de um modo de governar que não permite brechas entre uma política e outra. Quando uma política não é universalizada ou quando as políticas públicas são fragmentadas os direitos pingam como num conta-gotas e não se efetiva a proteção integral.
Algumas políticas públicas tem sido concebidas à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas ainda tateiam uma possibilidade de articulação. A educação e a saúde têm dialogado bem, mas estamos ainda engatinhando no processo. Portanto, para analisar a situação da infância que trabalha é preciso observar quais foram todos os direitos que não se realizaram a tempo para garantir um desenvolvimento pleno, saudável e feliz de cada criança que precisa buscar a própria sobrevivência e a de sua família. Esta articulação deve ser dinâmica, em movimento permanente, observando os papéis de cada ponto da rede.
Os conselhos de direitos e de políticas públicas em diálogo com as Conferências Nacionais de Direitos e de Políticas Públicas têm elementos suficientes para subsidiar a superação da cultura que se contenta com os limites de cada pasta. As resoluções e recomendações das conferências podem contribuir para a construção de uma verdadeira intersetorialidade. Neste sentido, há que se perceber e levar em consideração que a criança não é um ser autônomo, flutuante no espaço. Ela existe em uma comunidade e em uma família. Portanto para que ela viva o seu direito é preciso que todo o contexto se transforme.
Como todos sabem, não basta desenhar uma política em rede sem que haja uma real priorização expressa no orçamento público. Além da previsão de recursos é necessária a aplicação exemplar nas ações previstas nesta articulação; ou seja, que o dinheiro planejado para cada ação deve ser de fato liquidado a tempo. Parece óbvio, mas não é o que acontece. No primeiro ano de mandato da presidenta Dilma, por exemplo, foram contingenciados recursos da área social, colocando em risco milhares de ações garantidoras de direitos.
Portanto, dois importantes desafios para se acabar com o trabalho infantil no Brasil são: garantir que crianças e adolescentes sejam de fato prioridades absolutas e que as políticas voltadas para a realização de seus direitos tenham mesmo uma destinação privilegiada de recursos, como preconiza o ECA.
Os programas de governo que enfrentam a pobreza e a miséria, especialmente os de transferência de renda mudaram já bastante o panorama nacional, mas não foram suficientes para eliminar o trabalho infantil. São muitos os desafios a serem superados. O mais importante é que o esforço coletivo seja no sentido de compreender as múltiplas causas do trabalho infantil e de apresentar respostas articuladas para que todas as crianças cumpram sua tarefa mais importante: a de ser feliz, e sendo feliz, mude a sua realidade e a do país
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