A revista Carta Capital publicou na semana passada uma ampla reportagem sobre seminário realizado em São Paulo para discutir a crescente transferência de renda aos mais ricos no Brasil, revelando os fatores e processos que tornam o país um dos maiores e desregulados paraísos de quem tem renda elevada.
Segundo os especialistas que participaram do seminário, são três as condições que tornam o Brasil o paraíso dos ricos: a alta taxa de juros, a isenção tributária sobre lucros e dividendos e as baixas alíquotas de impostos sobre aplicações financeiras, principalmente quando comparadas às alíquotas pagas por assalariados.
“A concentração de renda no Brasil não tem rival no mundo”, aponta Rodrigo Octávio Orair, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do International Policy Center for Inclusive Growth, da Organização das Nações Unidas. Para Grazielle David, assessora política do Inesc, que também participou do seminário, o problema está na receita, mas o discurso é muito focado na despesa.
Prejudicada pelas desonerações, a receita do governo cai também por causa da sonegação e da elisão fiscal, realizada com um planejamento tributário “extremamente agressivo e caro”, só acessível às grandes empresas, na maior parte multinacionais, destaca Grazielle. O fim da elisão fiscal representaria um potencial de aumento da arrecadação entre 0,8% e 2% do PIB, no cálculo de Orair.
Um trecho da reportagem:
Os principais tributos sonegados são o IPI, incidente sobre a indústria, e o Imposto de Renda. Um estudo do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional concluiu que 22,3% da arrecadação é sonegada, o equivalente, em 2015, a 454 bilhões de reais, ou 7,7% do PIB. Um valor quatro vezes superior ao déficit fiscal da União em 2015, de 111 bilhões. “O País sofreu no ano passado com um déficit fiscal apontado como a ruína das contas nacionais, quando havia um valor quatro vezes maior em tributos sonegados”, sublinhou a assessora do Inesc.
Os débitos de impostos não pagos no prazo são inscritos na dívida ativa da União, hoje em “incrível 1 trilhão e meio de reais, acima da arrecadação total brasileira em 2015, de 1,2 trilhão”. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somente 1% da dívida ativa é resgatada a cada ano.
Além disso, há 252 bilhões que já transitaram em julgado, valor muito maior que o déficit fiscal do ano passado e o deste ano também. “Não tem mais como recorrer, é só ir lá e recolher. Com tanto dinheiro a receber pelo governo, fica claro que a intenção não é fazer um concerto fiscal, mas mudar a sociedade e a Constituição, destruir as políticas públicas e o princípio de solidariedade e fraternidade”, concluiu Grazielle.