Nosso modelo de educação está muito preso a padrões da modernidade, positivista, trancafiado entre as paredes das salas de aula, sem considerar outros espaços educadores. E por isso trabalhamos na perspectiva dos territórios educadores, do direito à cidade e de uma vida no campo que faça parte e integre os espaços de convivência.
Até para conseguirmos sair do senso comum de que o espaço de fora é violento, perigoso, olhado sempre pelo negativo, as cidades e o campo podem e devem fazer parte dos processos educativos. Ocupá-los pode contribuir para a construção de escolas mais abertas e democráticas, ao passo que as cidades podem se tornar mais amigáveis e acolhedoras.
A pergunta que não quer calar: se mudássemos tudo – o modelo de escola, a disposição das carteiras, a disciplina, as disciplinas -, seria possível para escolas e educadores educarem sem controle dos corpos, do espaço e do tempo? É possível fazer diferente apesar de ter recebido uma educação com controle?
Precisamos de escolas diferentes e de formação de formadores também diferente.
E foi isso que dialogamos com adolescentes e jovens de escolas da segunda etapa do ensino fundamental, do ensino médio vespertino e noturno, dos campos e das cidades. Buscamos ouvi-los e ouvi-las para entender o que estão pensando da escola e da educação no século 21 em momento político tão atribulado, com vários riscos e ameaças, mas também oportunidades de insurgências, especialmente dos que estão vivenciando o processo educativo na prática cotidiana das escolas e instituições educadoras.
E quais mudanças esperam para que as escolas sejam o lugar da diferença, do diálogo e da prática de uma educação de qualidade, aberta aos espaços públicos e em relação dialógica com os territórios onde se situam?
Ao mesmo tempo, é necessário discutir o que significam as mudanças propostas por este governo nada legítimo que ocupa o Palácio do Planalto nesse momento. Até que ponto as alterações legislativas propostas influenciarão a educação em todos os seus níveis? Até que ponto há intenção de precarizar o ensino médio para dificultar o acesso das pessoas mais pobres ao ensino superior?
A reforma do ensino médio por medida provisória:
Há várias questões a serem analisadas, entre elas o fato de o governo desconsiderar a participação popular na construção da proposta já em vigor; a precarização da formação, ao designar que cada sistema optará por complementar as horas de formação da maneira mais conveniente. Podendo ser horas práticas trabalhadas, cursos produzidos por instituições diversas não especificadas, educação à distância ou “presencial mediada por recursos tecnológicos”.
O que acontecerá nos mais diversos territórios, que terão menos recursos por conta da proposta de emenda constitucional (PEC 55) que congela os recursos para políticas sociais por vinte anos, só saberemos ao caminhar. No entanto, o cenário não é promissor.
Com a palavra, a comunidade escolar:
E o que disseram estudantes com os quais interagimos sobre educação de qualidade e o que faz com que várias delas abandonem a escola antes de terminar a educação básica?
Há questões que dizem respeito aos diferentes territórios, no entanto, podemos dizer que há um núcleo que os aproxima, que faz com que dialoguem mesmo que à distância, pois se repetem, ainda que estejamos falando de diferentes lugares como do campo ou da cidade.
Uma das motivações citadas em todos os lugares com muita ênfase é a falta de interesse. O que estaria dentro desta categoria? Mesmo que a maioria, quando o diz, esteja falando de responsabilidades individuais, o que leva tantas pessoas, em diferentes partes do Brasil, abandonarem a escola por falta de interesse? E por que os responsáveis pelas políticas públicas não analisam tal questão? E continuamos sem estabelecer o diálogo?
Outras duas questões que aparecem com ênfase nos diferentes locais é o trabalho precoce, seja no campo ou na cidade, o que tem tudo a ver com a estrutura desigual desse nosso país, onde boa parte de adolescentes precisa contribuir com a renda familiar muito jovens, atrapalhando radicalmente o percurso da escolarização. E a gravidez na adolescência também é uma questão agravada pelas desigualdades, visto que há, mesmo no século 21, falta de informação e responsabilização das meninas, principalmente, de maneira individual e não sistêmica.
Também foram apontados como fatores para evasão escolar pelos estudantes as dificuldades de aprendizagem, falta de perspectiva, problemas pessoais, professores, regras abusivas das escolas, internet, distorção idade/série, influência de amigos, racismo, homofobia.
Essas são as principais das questões levantadas por adolescentes de Brasília, da Bahia e do Pará seus processos de escolarização em relação ao que descrevem como educação de qualidade e o que favorece o abandono escolar.
O projeto Onda: Educação de Qualidade, que compartilha e problematiza os dados da campanha “Fora da Escola não Pode”, termina mais uma edição em 2016 em um momento especialmente complexo, visto que um dos seus objetivos era gerar argumentos para uma efetiva reforma do ensino médio a partir dos usuários, ou seja, estudantes. No entanto, nos foi imposta uma reforma por medida provisória, sem considerar todas as vozes das comunidades escolares, profissionais da educação, educadores, estudantes.
Desta vez expandimos os horizontes, multiplicando a metodologia para o Instituto Chapada, que trabalha em vários municípios da Chapada Diamantina, na Bahia e para o Instituto Peabirú, que atua em Belém, no Pará, nos possibilitando uma visão mais ampla do que se espera da escola, dos motivos que levam à evasão escolar e qual a escola que estudantes gostariam de ter.
De acordo com o Instituto Chapada, nosso parceiro na Bahia:
“A oportunidade de conhecer a metodologia desenvolvida pelo INESC motivou o grupo de técnicos das Secretarias a pensar nos fóruns de debates nos quais os adolescentes podem e devem ser convocados a participarem dentro e fora da escola.”