Mais de 11 milhões de documentos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca foram divulgados no último domingo (3/4), chamando a atenção para obscuras transações financeiras milionárias em paraísos fiscais.
Os documentos, que ficaram conhecidos como “Panama Papers”, foram primeiramente obtidos pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e compartilhados com seu parceiro de longa data, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), que conta com a participação de 376 jornalistas, de 76 países.
Embora o tema da transferência de lucros para paraísos tributários já seja bem mapeado por diversas organizações ao redor do mundo, o “Panama Papers” chocou a mídia internacional pela enorme quantidade financeira envolvida, pela facilidade com que ocorrem essas transações e pelos nomes de peso envolvidos, entre políticos, empresários, juízes e figuras públicas reconhecidas.
Segundo a organização Tax Justice Network, existem cerca de US$ 32 trilhões escondidos nesses paraísos fiscais. Já o jornal inglês The Guardian afirma que cerca de US$ 1 trilhão sai anualmente de países em desenvolvimento rumo à localidades de tributação baixa ou inexistente.
Entre as personalidades importantes citadas nos arquivos, como o jogador de futebol Lionel Messi e o cineasta Pedro Almodóvar, estão vários brasileiros, alguns com citações também na Operação Lava Jato, que investiga casos de corrupção na Petrobrás e em outras estatais do país. Aparecem no ‘Panama Papers’ nomes como o de Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso; Eduardo Cunha, deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados; Edison Lobão, ex-ministro de Minas e Energia; e Gabriel Skaf, filho de Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Também aparecem na lista 72 ex-chefes de Estado e líderes em exercício, como Vladimir Putin (presidente da Rússia), Maurício Macri (presidente da Argentina), Bashar Al-Assad (presidente da Síria), David Cameron (primeiro-ministro do Reino Unido), Xi Jinping (presidente da China) e Sigmundur David Gunnlaugsson (primeiro-ministro da Islândia, que já renunciou ao cargo).
O escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca é especializado em dar assessoria jurídica aos interessados em transferir renda de seu país natal para outra localidade com tributação inferior ou nenhuma tributação. Esse dinheiro, em geral, é proveniente de sonegação fiscal ou corrupção. Dessa forma, a empresa busca brechas jurisdicionais para não cometer operações ilegais e tampouco divulgar os nomes dos envolvidos.
A luta contra os paraísos fiscais e a evasão tributária – pessoal ou por parte das multinacionais – não se restringe a uma simples questão de legalidade, mas sim de moralidade e equidade social. Esses tipos de mecanismo de sonegação ou elisão fiscal perpetuam a desigualdade social, que alcançou cifras históricas em 2015, em que a riqueza do 1% mais rico superou a dos outros 99%. Além disso, se caracterizam como um dos principais obstáculos para o desenvolvimento socioeconômico, o financiamento dos serviços públicos de qualidade e a promoção dos direitos humanos, sociais, econômicos, culturais e ambientais.
O “Panama Papers” prova o que há anos organizações da sociedade civil vêm falando: a existência de paraísos fiscais – com contas offshore em que sequer o nome do beneficiário final (dono) é uma obrigação – é um mecanismo essencial para a corrupção e a lavagem de dinheiro. Sendo assim, para combater a corrupção, o fim dos paraísos fiscais é uma prerrogativa. No processo para que isso ocorra, pelo menos o nome do beneficiário final de cada conta deveria ser uma obrigatoriedade, evitando que corruptos possam se esconder atrás do anonimato enquanto exploram o dinheiro e a vida das pessoas nos diversos países.
Além disso, como defende a Campanha global por Justiça Fiscal “Que as transnacionais paguem o justo”, é fundamental que ocorra uma profunda reforma tributária internacional, elaborada multilateralmente, com a participação de todos os países, com o objetivo de adequar as leis estabelecidas há quase 100 anos e que não conseguem regular o modo como o dinheiro flui internacionalmente de forma a favorecer a injustiça fiscal e a corrupção. Somente com essas medidas, será possível dificultar a sonegação fiscal por parte do 1% mais rico da sociedade e diminuir os casos de uso indevido de verbas públicas em altos cargos estatais.
Nesse cenário de vazamento de milhões de documentos envolvendo figuras públicas poderosas, também é papel da sociedade civil se atentar tanto a seletividade por parte dos investigadores quanto por parte das mídias que difundem as informações. Por existirem diversos interesses em jogo, é imprescindível questionar quais são os objetivos das fundações privadas que financiam o ICIJ, além dos critérios utilizados na escolha dos documentos analisados e do porquê de certas nacionalidades serem mais destacadas em relação a outras, por exemplo.