Por Márcia Acioli, assessora política do Inesc
A Secretaria de Educação do Distrito Federal é capaz de oferecer educação de qualidade, com bons critérios, cuidados pedagógicos, prédios decentes, Centros Integrados de Língua e Escolas Parques… Paralelo a este quadro, muitas escolas estão sucateadas, no corpo e na alma. Parecem escolas em diferentes planetas. Escolas depredadas e alquebradas convivem com escolas de qualidade reconhecidas pela comunidade e pelas avaliações do Ministério da Educação. O grande problema é que a qualidade não está, nem de longe, universalizada.
Geralmente as escolas alquebradas são para as crianças e adolescentes pobres de periferias, filhos e filhas de famílias com baixíssima escolaridade; filhos e filhas de pais que têm trabalho precário e pouca disponibilidade para participar dos espaços de socialização de seus filhos. As escolas que oferecem educação de qualidade são mais democráticas e atendem a uma diversidade maior.
Quanto mais escolarizada a família, mais exigente se torna e cobra mais respostas da escola. Pais procuram a mídia para denunciar a falta de professores, reclamam das posturas dos profissionais da educação que eventualmente desrespeitam seus filhos, cobram da Secretaria de Educação reformas que garantam acessibilidade, fazem campanhas para as bibliotecas, participam e se mobilizam. O clima conspira pela qualidade, mesmo que haja conflitos, o que é esperado numa convivência democrática.
No entanto, as escolas não podem ficar à mercê da participação da comunidade, mesmo que a participação seja essencial. É preciso levar em conta a responsabilidade da Secretaria de Educação em garantir que a qualidade da educação seja a mesma de norte a sul do Distrito Federal, respeitando os diferentes interesses de suas respectivas comunidades.
Em 2008, ao estudar o Quadro de Detalhamento de Despesas do GDF, os/as alunos do CED 04, participantes do projeto do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Adolescentes em Movimento pelos Direitos, observaram que dois milhões de reais destinados à reforma da escola não foram aplicados.
Escola negligente (ou abandonada) não é um espaço educativo e pode se tornar um barril de pólvoras. Consequência disso são reações de alunos/as insatisfeitos/as, não educados/as que, denunciam o sucateamento com os seus comportamentos “rebeldes e inconsequentes”. Os alunos são só meninos e meninas que, ao aportar num estabelecimento de abandono se veem provocados no cenário de insatisfações múltiplas. E a escola, que deveria ser um fórum permanente de reflexão, se torna palco de conflitos violentos. Neste caso, o conflito deve ser objeto de preocupação pedagógica, e motivar, mais ainda, uma elaboração coletiva sobre o seu papel e o de cada sujeito que dela participa.
Quando a opção para a resolução do conflito é transferência de alunos, está-se simplificando o problema, não se chega ao cerne da questão, não se resolve conflitos. Apenas se marginaliza ainda mais, adolescentes já sem oportunidades, que reagem à negligência que os afeta como sabem e como podem.
A simples transferência de “alunos-problema” é uma declaração de incompetência da política de educação e revela um preconceito profundo contra moradores da periferia. Além de não contribuir em nada para a construção de uma educação de qualidade, inclusiva e universal, esta decisão aponta, mais uma vez para os alunos como únicos responsáveis pelo desastre em que se encontra a sua escola. Não ajuda a escola a se repensar, nem a Secretaria de Educação para refletir sobre sua responsabilidade.
Temos visto no GDF pipocar problemas, especialmente em áreas de grande exclusão social. Quando não há escola na comunidade, meninos e meninas que são obrigados/as a se deslocar para uma escola distante são estigmatizados e com isso, apontados a priori como os sujeitos problema. Em 2007, meninos e meninas da Estrutural diziam que era difícil dizer de onde vinham, pois, embora fossem a maioria na escola, seus colegas reagiam com preconceito.
Em 2010, ex-alunos do Ced 04, junto com o Inesc elaboraram uma Emenda ao Orçamento Público do GDF para a construção de uma grande escola de Ensino Médio na Estrutural. Esta escola teria auditório, quadras cobertas para a prática de esporte, laboratórios de ciências e de línguas. A ideia dos jovens era levar para aquela comunidade, um estabelecimento de educação que somaria outros equipamentos à comunidade que lhes garantiriam cidadania. A escola poderia ser aberta aos finais de semana para apresentação de teatro, realização de cine-clube ou mesmo, para a organização de torneios esportivos. Infelizmente a emenda não foi acatada e a Estrutural permanece no caos social, com a juventude ociosa sem acesso aos seus direitos.
No Brasil reina a cultura de esperar o caldo entornar para que as autoridades percebam o que está diante de seus olhos. A questão é que as consequências desastrosas de uma explosão podem ser irreversíveis.
O que importa hoje é que o direito à educação de qualidade é igual para todos, e que a comunidade e as famílias, somente elas, deveriam ter a liberdade e a possibilidade de escolher onde seus filhos devem estudar para viver plena e radicalmente o direito à melhor educação.
Para refletir melhor e construir soluções que sejam sérias e consequentes, acreditamos que é chegada a hora de o GDF, o Ministério Público, o movimento estudantil e comunidade promover audiências públicas sobre o Ensino Médio levando-se em conta todas as vozes dos que o integram.