Brasília, 19 de janeiro de 2010.
A COP15, Conferência promovida pelas Nações Unidas (ONU) para discutir o clima do Planeta Terra, realizada na capital dinamarquesa, Copenhague, durante 7 e 18 de dezembro de 2009, envolveu milhares de pessoas do mundo oficial, dos setores produtivos e da sociedade civil organizada e movimentos sociais, muita segurança policial e, ao mesmo tempo, muita dificuldade de vislumbrar o que seria possível alcançar. Esperava-se que fosse um momento de inflexão, um momento político sem precedência, ou seja, esperavam-se decisões de grande vulto e com poderes jurídicos efetivos sobre todas as nações. Nunca a humanidade e o planeta estiveram tão ameaçados desde que o tempo histórico começou a correr. E nunca em tão pouco tempo histórico, cerca de 200 anos, as mãos humanas produziram tanta destruição acelerando processos da natureza que poderiam demorar milhões de anos para começar.
Na abertura da conferência todas as autoridades falaram da urgência de se fazer um acordo efetivo e um plano de ação. O primeiro ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen; o secretário-executivo da Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Yvo de Boer; e a prefeita de Copenhague, Ritt Bjerregard, foram uníssonos ao lembrarem o compromisso urgente dos países e das necessárias condições políticas, financeiras e tecnológicas para solucionar problemas, mitigar e adaptar aos efeitos das mudanças climáticas.
A Ministra dinamarquesa Connie Hadeggaard, eleita presidente da COP 15, fez um trocadilho dizendo: “viemos de Bonn e Barcelona e agora é o tempo do C de Copenhague. Tempo de encontrar soluções”. Ela assinalou ser este o momento de encontrar compromissos efetivos, pois existe pressão do mundo e vontade política mais profunda para um acordo efetivo. Afinal, o mundo todo está olhando para que os líderes mundiais acertem os passos. Se perdermos esta oportunidade será muito difícil conseguir outro momento com a mesma força, considerou a Ministra. Será?
Dr. Rajendra K. Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), fez um discurso duro e alarmante, afirmando a posição defendida pela comunidade cientifica. Recentemente os dados foram contestados por piratas que capturaram dados e usaram a internet para desqualificar o trabalho deste grupo de cientistas. Seu discurso foi claro e efetivo. Assinalou a importância deste momento histórico de ação e urgência frente impactos irreversíveis da mudança climática do planeta.
O Quarto Relatório (AR4) do IPCC, apresentado pouco tempo antes da COP13, realizada em Bali, em 2007, teve um profundo impacto sobre as decisões de Bali e todos os debates que se sucederam. Ações globais deveriam ser tomadas com urgência urgentíssima, por meio de um plano de ação para implementação por todas as partes, levando em consideração as responsabilidades comuns, porém diferenciadas entre os países.
Mais uma vez, o AR4 apresentou os cenários dos fatos decorrentes das mudanças climáticas: aumento da temperatura em meados do século XX em níveis de 0,74 centígrados, provocando o derretimento do gelo em todo o planeta e o consequente aumento do nível dos oceanos. As Ilhas Maldivas e Estados constituídos por várias pequenas ilhas estão desaparecendo, inclusive a costa de Bangladesh. Pessoas estão perdendo suas terras e tendo que ser removidas de seu habitat secular. Tuvalu, durante toda a Conferência, expressou dramaticamente o impacto da mudança climática e a tragédia anunciada que estão vivendo.
Cerca de 40 mil pessoas foram a Copenhague acompanhar este processo e as câmeras de todas as televisões e jornais to mundo estavam focados no Bela Center, local de encontro das reuniões oficiais. A sociedade civil organizada acompanhou por dentro e de fora. Realizou uma das maiores marchas nas ruas de Copenhague com mais de 100.000 pessoas protestando com o rumo da conferência e com a percepção que seria um grande fiasco. Pelo menos com a ambição que se pretendia. De fato, foi um fiasco. De fato, nossa ambição de ver nossos líderes comprometidos com mudanças substantivas nos padrões de produção e consumo, em especial dos países ricos, mais uma vez, frustrou-nos.
Algumas considerações importantes devem ser feitas para ajudar-nos a sair desta sensação de profunda frustração. Primeiro, é importante considerar que o nível de nossa ambição era muito grande para a realidade dos países. Nenhuma população dos países ricos, em sua maioria, está preparada (psicológica, cultural e materialmente) para enfrentar as mudanças que são necessárias. Construir uma mentalidade não capitalista, menos individualista e mais complementar e solidária envolve mudança de mentalidades. Apresentamos poucos sinais de estarmos preparados, ainda, para esta mudança. Os setores empresariais são os que estão jogando mais duro e não querem pagar a conta da transição de modelo, em especial, porque o preço dos combustíveis fósseis ainda é bem mais barato que a busca de energia limpa e renovável. Como combater esta mentalidade?
Os Estados nacionais também não estão em condições de impor posições mais avançadas, na medida em que estão fragilizados e comprimidos entre a inconsciência da maioria população e o os interesses das grandes empresas. Tudo isso gera uma sensação de impotência e frustração, sentimentos que tomaram a todos e todas nós ao término da COP15.
Segundo, temos que considerar que esta conferência foi a que mais repercutiu na imprensa. Provavelmente, por causa no número de desastres naturais que vêm ocorrendo, e pela concentração de líderes de Estados presentes, a atenção do mundo foi maior. O fato é que podemos dizer que, do ponto de vista do debate público, a conferência foi fundamental.
Terceiro aspecto, a visibilidade da mesma, ajudou de forma estratégica a novas composições de poder entre os países. Os países insulares que pouco apareciam neste debate, tiveram uma força importante, representados pelo discurso do representante de Tuvalu. Os países africanos pressionaram como grupo em si e como membros do G-77 (cerca de 130 países membros). Garantiram que China, Índia, Rússia ou Brasil não costurassem acordos paralelos. E há que se considerar que a presença do Brasil e de sua posição firme na apresentação de proposta de emissão voluntária de quase 40% de corte nas emissões de gazes de efeito estufa foram cruciais para o aprofundamento do debate.
A frustração foi grande porque as expectativas eram maiores ainda. Desta forma, a sensação foi de muita tristeza e desamparo. Mas, ao mesmo tempo, foi um processo de re-energização do debate, maior tomada de consciência pública no âmbito mundial e local. Bases fundamentais para mudanças mais concretas. Os países ricos perceberam que não comandam como antes, e muito menos os países pertencentes ao G-20. Na Conferência das Partes, as decisões a serem implementadas pelos países deve ser por consenso e foram exatamente, os menores, menos visíveis, tais como Tuvalu, Bolívia, Venezuela entre outros que “melaram” o jogo dos poderosos, impediram o consenso forjado que pretendia o Ministro da Dinamarca. O jogo do poder fica mais complexo e isso me parece positivo.
Por fim, temos que considerar o papel da sociedade civil organizada, que com sua diversidade de posições, mas afinada na ambição, promoveu debates consistentes, pressionou os governos dentro do espaço oficial e nas ruas de Copenhague. Mostrou que ação política, construção crítica e mobilização são fundamentais para quebrar o gelo dos burocratas ou daqueles que insistem em manter o privilégio de viver a despeito de nações e de povos, a despeito da fauna e da flora, a despeito da saúde do Planeta! Acredito que, sob este aspecto, a COP15 foi um sucesso.
Agora é olhar para o futuro, não perder a sintonia nem nossa agenda. Pensar como poderemos fazer da COP16, em Cancun, México, um momento de afirmação e melhor equação das tensões, renovando nossas ambições e esperanças de um acordo juridicamente vinculante, de corte radical nas emissões de gases, de maior comprometimento dos Estados, de mudança de padrão de produção e consumo. Tudo isso conforme nos é orientado pela ciência e pelo bom senso.
Iara Pietricovsky é membro do Colegiado de Gestão do INESC