Dos muitos cenários previstos para o país após 2013, nenhum superou a realidade de hoje

01/09/2017, às 15:50 | Tempo estimado de leitura: 17 min
Artigo de Iara Pietricovsky e Nathalie Beghin

Há poucos anos, exatamente em 2013, um grupo de organizações da sociedade civil brasileira se reuniu para pensar os cenários possíveis frente a novos fatos que ocorriam na nossa sociedade.

Uma série de expressivas manifestações de rua irromperam em todo o Brasil. Como a explosão de uma grande represa, mostravam em sua insatisfação, de forma contundente, uma agenda para o País. Ao mesmo tempo, expressavam uma repulsa aos partidos políticos e a forma como as instituições do Estado brasileiro estavam sendo conduzidas.

Era uma rejeição da política enquanto tal, ainda que, seu meio de expressão fosse profundamente político. Uma luz vermelha se acendia. No ano seguinte houve o processo eleitoral que reelegeu a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff. O resto da história, continuamos vivendo, como capítulos de um seriado de terror, onde a realidade consegue ser mais absurda que o script mais criativo da Netflix.

Nos perguntávamos se o Brasil teria condições de trilhar um caminho de desenvolvimento socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável e ainda manter seu papel de protagonismo no cenário internacional?

Os anos de redemocratização tinham sido profícuos com avanços na conquista de direitos humanos, por meio de políticas sociais que, de fato, fizeram a diferença. O Brasil, melhorousua posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Os programas de transferência de renda beneficiaram mais de 50 milhões de pessoas, segundo dados oficiais, que conseguiram – ainda que de forma precária – maior inserção na sociedade de consumo.

A população, historicamente marginalizada, em especial a população negra, conseguiu ampliar seus direitos; os agricultores familiares passaram a contar com políticas públicas específicas, tão importantes para um setor que é responsável por mais de 70% de determinados alimentos que vão para a mesa dos brasileiros e brasileiras; o salário mínimo conheceu expressiva valorização em termos reais e a formalização do mercado de trabalhou aumentou. Enfim, dados e análises referentes aos últimos anos são fartos e unanimes na afirmação de que a vida da população mais pobre melhorou em todos os níveis, ainda que, os ricos, ficaram também mais ricos. Entretanto, esse modelo desenvolvido pelo PT, estava no fim, batia no teto.

A frágil social democracia à brasileira estava longe da perfeição. Questões estruturais responsáveis por abismos de desigualdades históricas persistiam: o racismo, o patriarcalismo e a lesbohomofobia, que são responsáveis não somente por apathaids sociais, mas também pela morte de milhares de mulheres, jovens negros e de integrantes da comunidade LGBTI. Entre as fragilidades, detectamos um sistema político viciado e esgotado, um modelo tributário regressivo que perpetuava as injustiças, um total descompromisso com as populações indígenas, que foram abandonadas por falta de recursos e de políticas públicas, um tipo de desenvolvimento que valorizava a extração dos recursos naturais em detrimento do meio ambiente e do clima.

Esse País contraditório, com manifestações de desagrado nas ruas, parecia mostrar, que queria mais democracia, mais políticas públicas para a sua população. Mais igualdade.

Exercitamos assim, naquela ocasião, três cenários para o Brasil até 2020.

Cenário I – pessimista

Neste cenário, o Brasil apenas se recupera de uma sucessão de crises internacionais, com uma economia semi-estagnada, retornando a inflação à casa dos dois dígitos, redução dos gastos com políticas públicas, continuidade da criminalização dos movimentos sociais e afastamento do governo dos movimentos que contribuíram para sua eleição. A inserção global do Brasil se dando, cada vez mais profundamente, por intermédio de produtos primários as custas do meio ambiente. Mercado interno em contração, concentração de renda e poder ampliando-se. A agricultura familiar é deslocada em favor do agronegócio. Espaços urbanos marcados pela guerra civil e pelo narcotráfico.

O Brasil segue uma trajetória errática, a guerra cambial prossegue no plano global, o país sofre ataques especulativos, desvaloriza a moeda e eleva os juros. A crise internacional se agrava, afetando o motor chinês, que até então impulsionava o preço das commodities na economia mundial.

O primeiro cenário concluía que o Brasil estaria bastante fragilizado e sem potencial de expansão interna e externa. A desigualdade é naturalizada sem qualquer esforço de superação devido à ausência de políticas sociais que ataquem as discriminações de raça, etnia, gênero e orientação sexual. A natureza pouco importa, assim como os povos e comunidades que nela habitam.

Cenário II – intermediário

A economia encontra um ritmo mais dinâmico em função do crescimento do mercado para as commodities e crescimento do mercado interno e regional. Com indicadores econômicos alvissareiros, a luta contra a pobreza extrema continua e segue a universalização do ensino básico. O Brasil se afirma como global player, com forte protagonismo internacional.

No plano interno seguem as desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira. Desigualdade de renda, concentração fundiária e desrespeito ao meio ambiente e aos territórios indígenas; vida urbana marcada pela violência e precária condição de vida para os mais pobres. O sistema político não é revisto e continua expressando a concentração de renda e poder no Legislativo. Baixa escuta da sociedade civil. O descolamento entre o social e o político é agravado pela manutenção do monopólio dos meios de comunicação. Volta do desemprego e tentativa de desmontar o frágil Estado de Bem-Estar Social conquistado nos últimos trinta anos.

A conclusão deste cenário é que a economia consegue sustentar taxas razoáveis de crescimento econômico, acima dos países desenvolvidos e abaixo das economias dos países em desenvolvimento.Cenário global de estabilização de preços das commodities devido à continuidade do crescimento chinês.

Cenário III – otimista

O País do quase sonho. Uma economia dinâmica e um País menos desigual. Uma política econômica mais soberana e uma reconfiguração das instituições, tornando-as mais inclusivas e com melhor distribuição de poder. Um mercado interno crescente e dinâmico, altos níveis de emprego, mais crédito de longo prazo para a população. Economia regional dinamizada e mais integrada. O Brasil exportando produtos agrícolas, industriais e serviços e avançando nos segmentos intensivos de tecnologia.

No plano global, um papel proativo nos temas ambientais e de direitos humanos; internamente caminha-se rumo à preservação do meio ambiente, à diminuição dos gases de efeito estufa e a universalização das políticas sociais, como saúde, educação e habitação. Os movimentos sociais influenciando e monitorando as políticas públicas.

Este é o cenário quase ideal, de um País que combina uma economia dinâmica, sociedade vibrante, participativa e sustentável.

Nenhum dos 3 foi capaz de antecipar os dias de hoje: cenário IV – o apocalipse

Em 2017, vemos que nem o pior dos três cenários construídos há apenas quatro anos vigora. Temos a tristeza de conviver com um governo ilegítimo, corrupto, que governa para seu próprio interesse –  aliado aum parlamento majoritariamente envolto em processos judiciais e que legisla em causa própria, totalmente deslocado dos anseios da população brasileira. Tanto é assim, que a popularidade do governo Temer é da ordem de 5%! Congelamento e cortes de gastos e de investimentos, aumento de impostos, venda do território nacional aos estrangeiros, permissão para mineração na Amazônia, recrudescimento do desmatamento das florestas primárias e não demarcação e invasão das terras indígenas.

Essa ação perversa do governo em exercício acaba resultando em uma anomia social: aumento da pobreza e da fome; assassinatos de lideranças camponesas, indígenas e de defensores de direitos humanos; e crescimento da violência nos centros urbanos penalizando, principalmente, jovens negros das favelas e periferia. Além da criminalização de organizações e movimentos sociais e doaumento da concentração de renda.

Do País sonhado ficam o desejo e a expectativade que um dia a inteligência e a solidariedade sejam abundantes e consigam matar o individualismo, o egoísmo, o casuísmo e a mentalidade tacanha de uma elite que vai morrer, não há dúvida, porque está apodrecendo, mas até lá insiste em espalhar maldades.

(Publicado originalmente na Caros Amigos)

Categoria: Artigo
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